Quem Sou Eu Quando Não Me Escondo?

Cumpri com uma existência, certa de quem era. Sempre preguei ser alguém em quem acreditava piamente, questionando o que eu conseguia alcançar. Nunca coloquei em causa os meus processos de autoconhecimento, pois, até certo ponto ajudaram-me a sustentar uma barreira protetora que eu julgava desconstruída. Recentemente, no entanto, dei-me conta de que não…

Eu posso até saber coisas sobre mim, mas por anos, impedi-me de me dar a conhecer com a profundidade que eu simulo.

Perco muito do meu tempo a fingir ser algo que não sou e que, no fundo, é alguém que se distância da sua verdadeira essência. Tudo por receio de me voltar a magoar, como sempre me magoei. Fugi da responsabilidade de encarar a origem de todas estas problemáticas. Não quis, de modo algum, priorizar uma pessoa, uma circunstância e uma experiência que se sucederam há anos, pois, não fazia sentido para mim.

Nunca me tinha aprofundado quanto às suas verdadeiras consequências, porém, agora já as conheço um pouco mais. A minha primeira experiência de amizade traumatizou-me. A minha suposta primeira melhor amiga na infância maltratou-me, humilhou-me, desrespeitou-me e fez-me desacreditar noutras pessoas. Os que sabiam desta situação nunca fizeram nada para me ajudar.

Suportei tudo sozinha, até uma certa idade… E só não abandonei o barco porque eu era uma pequena criança amedrontada e que desconhecia o que poderia existir para lá daquela zona de familiaridade.

Eu tinha medo pelo que eu vivia e, mais medo ainda eu sentia em relação ao que poderia acontecer se eu me impusesse. Portanto, nunca o fiz. E o que eu acreditava ser uma imposição sempre foi, na realidade, um mecanismo de defesa. Ser passivo-agressiva. Ter sempre uma resposta na ponta da língua. Deixar-me absorver por quantidades absurdas de informação, transformando algumas em conhecimento, como que para colmatar alguns vazios. Nunca dar a conhecer as minhas verdadeiras fragilidades. Ser meio vulnerável, sem nunca o querer ser. Entre outras opções e que preencheriam todo este relato.

Por consequência, fui crescendo a questionar todas as minhas amizades. Nunca confiei integramente nas pessoas, por receio do que me poderiam fazer. A culpa nunca foi delas, mas sim de quem me fez mal inicialmente. Todavia, eu sempre as culpei de algo por antecipação. Não o faço por mal, apenas procuro garantir que o meu coração não sai magoado.

O mais irónico de quem se diz apologista do amor próprio é que eu vivi estes anos todos a acreditar de que eu estava errada ao ainda pensar neste assunto. A acreditar que eu estava errada por ainda mencionar isto. A alimentar a ideia de que ao trabalhar isto em mim, com ou sem lágrimas, eu me estaria a fazer de vítima, somente para chamar a atenção. Escondi-me, porque eu nunca quis chamar a atenção.

Nunca quis que me vinculassem a uma experiência tão cruel, para alguém que só era uma criança que queria fazer amigos…

Carreguei, daquela altura, a necessidade de agradar os demais, por não os querer perder. Daquela altura, trouxe esta necessidade de procurar mesmo quem não quer saber de mim, para garantir que faço a minha parte e tenho como me defender. Transformei-me em alguém com muitos medos. Medo da perda. Da rejeição e da humilhação. Agregada ao medo, uma raiva, uma insegurança, um fervor em combater quem ousar mexer comigo ou com quem só quero bem.

Em suma, dispensei muito da minha existência a dedicar-me aos demais, quando era eu quem mais precisava da minha atenção. Inibi-me de me dar verdadeiramente a conhecer, por receio. Tão simples quanto isso. Desde que me deparei com as descobertas, que se tornou mais fácil de compreender alguns porquês. O porquê de eu me cruzar com pessoas que, eventualmente, se vão embora. Os motivos de eu só me apaixonar por quem me rejeita. O meu fascínio pelo complicado. A minha descrença para com a possibilidade de eu viver um bonito romance.

Porque, na sua essência, eu habituei-me a criar ligações que me faziam sentir a vítima e inferior, sem eu sequer me dar conta.

Na necessidade de ultrapassar os meus esforços, fazendo crer de que aquela ligação valeria a pena… Com o objetivo exclusivo de ser aquela que só dá e raramente recebe, pois, sempre aconteceu assim e, por conseguinte, tornou-se normal. E, sendo o normal, passou a ser aceitável. Só que este aceitável nunca foi o correto. Porque eu sou um ser humano que merece atenção, amor, carinho e cuidado, na mesma medida em que eu dou, com a mesma entrega e dedicação

Tomei, portanto, a decisão de compreender ainda melhor todas estas dinâmicas. Decidi que vou começar a cortar certas pessoas e que estarei mais atenta às minhas condutas. Se eu der por mim com a necessidade de me super esforçar, com medo de perder quem quer que seja, na dúvida quanto à natureza de determinada conexão, pronta para prometer o que poderá não ser cumprido… Aí, sim, saberei estar perante mais uma cilada afetiva.

Dei um basta. Quero mudar. Sinto-me cansada.

Muito cansada de esconder o quão amorosa sou, a curiosidade que me preenche, os sonhos de outro mundo que guardo, o quão amedrontada estou de me apaixonar novamente… O quão sensível fico por escutar, ver e sentir certas coisas. A minha inteligência e que se traduz em várias esferas do saber. Sinto-me cansada de esconder as minhas falhas enquanto ser humano, as minhas dúvidas, as minhas lutas. Cansei-me e, muitas vezes, permito que outras pessoas me cansem ainda mais. Só que agora eu sei as razões desse cansaço.

Para além disto, e como se não bastasse, existe ainda o medo de quando estou perante uma experiência que foge desta realidade à qual estou habituada. Deixo-me consumir de tal maneira que, inconscientemente e por meio de outras emoções, acabo por moldá-las num produto semelhante ao que conheço. O desconhecido deixa-me aterrorizada, daí querer ter controlo de tudo.

Porque houve uma altura em que eu não o tive e fizeram pouco de mim. Por isso, eu tive de aprender a ser responsável pelo que podia e pelo impossível…

Hoje, então, consigo afirmar que o faço por não desejar passar pelo que passei. E acrescento ainda que estou disposta a sair da defensiva, permitindo-me a dar verdadeiramente a conhecer. Sem filtros e sem tretas. Sem merdas. Fui uma vítima, assumo-o. Abraço essa verdade, com um pesar pela criança que fui, mas segura da mulher que, não obstante as fraquezas, prima pelas suas forças. Fui uma vítima e já não pretendo que isso me continue a impedir de viver a minha vida na sua melhor plenitude!

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