UMA AMOSTRA DE CLARIVIDÊNCIA

18:05
O céu ainda aparentava a presença do sol, com a clara evidência da companhia das nuvens, movidas pela força que também nos é exercida e que nos permite uma locomoção segura, ao longo do solo. Há quem goste de desafiar estas leis, tropeçando nos próprios pés, espalhando toda a sua essência num raio que lhes é permitido, um gesto glamoroso da distração e da pouca disciplina de equilíbrio. Não foi o caso. A tempo, cheguei à paragem, apanhei o autocarro, dediquei-me ao ato de observar o que me envolvia, na certeza de chegar ao meu destino.

Duas fatias de pão, uma delas barrada com orégãos e talvez um trago de alho

Na verdade, não fui capaz de distinguir. Tinha fome, mas o paladar não perdeu tempo com seleções e compreensões que, noutra ocasião, fariam falta. Não faz parte do menu habitual a ingestão de pão, mas dei-me ao luxo de quebrar as regras. Fiquei-me pelo silêncio, entregando a vontade de conversação a quem me rodeava, com o seu à vontade para com as beatas que, com vida própria, se bajulavam da capacidade de passearem pelos dedos de quem lhes dava a vida, metamorfosando-me em pura fumaça, o odor ácido, diferente, não sei, nunca fui capaz de estabelecer uma ligação entre os odores que me são normais e aqueles que os cigarros deixam para trás. Talvez se aproximem de um incenso há muito usado e que se foi desenvolvendo, com o tempo.

Quase 21h, mas não assim tão perto

Regressei ao meu lar, o rosto ruborizado pelo esforço de caminhar debaixo de temperaturas que não me são favoráveis ao espírito, mas que foram combatidas pelo simples ato de efetuar uma chamada… Especial. Foi bom escutar aquela voz, partilhar ideias, gargalhar em plena praça. Também posso culpar as escadas que me trazem ao meu leito, e que ocupam o espaço onde poderia existir um elevador. Preparei o jantar: grão com atum e ovos. Soube-me pela vida. Considerei colocar mais episódios de uma série em dia, porém, desisti a meio. Refugiei-me no quarto.

22h e pouco…

Pesquei do meu caderno de escrita, vomitei umas quantas palavras, desisti novamente. Demabulei o olhar pela estante, conversei com alguns livros, decidi-me por outros. Comecei o “Cem Anos de Solidão” e espero conseguir continuar. Ando imersa numa pouca liberdade de exercer tarefas, as energias não me andam a favorecer em nada. Não sinto vontade de ler, de escrever, de criar. Estou presente numa espécie de perda espiritual. Mas também a respeito e mecanizo a vontade que me resta para outras coisas. Tudo isto não se trata de uma página de um diário, mas sim de um esforço por compreender o que se passa. E nada mais justo do que simplesmente começar, por mais básico. Soube-me bem, e é nisso que me irei concentrar. Por mais básico.

2 thoughts on “UMA AMOSTRA DE CLARIVIDÊNCIA”

  1. Gosto da crueza e da sinceridade desta reflexão temporal.Gosto como as características gastronómicas se misturam com o teu pensamento e se dissolvem numa só. É um texto que emana beleza por toda a sua honestidade e força de vocabulário. Reli-o duas vezes, porque, estava mesmo a precisar de te ler ?

  2. Pingback: FOLHAS SOLTAS | 19 de novembro de 2020 | imperium blog

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