Muitas das vezes, quando estamos perante uma situação que nos é totalmente desconhecida e onde a empatia não consegue chegar, um dos nossos reflexos é o de julgar a pessoa que a vive, construindo uma barreira que nos impeça de comunicar com ela. Não que toda a gente partilhe desta mentalidade, mas a maior parte da população caracteriza-se por ser assim, egoísta e fútil. Existem momentos em que é necessária uma cabeça erguida em relação ao seu umbigo, permitindo-nos observar aquilo que se passa em nosso redor, de modo a que possamos contribuir por uma sociedade mais equilibrada, tolerante e preocupada.
A questão da droga deve ser uma das que mais passa ao lado das pessoas: para elas, ou os seus consumidores não têm mais do que fazer na vida, vivendo sob condições precárias, impedidos de arranjarem qualquer tipo de emprego por serem miseráveis; ou então porque foram conduzidos para o mundo das drogas sob influência de qualquer amigo ou conhecido. O que jamais lhes passaria pela cabeça é que, mesmo sem qualquer tipo de influência, aqueles que se juntam aos toxicodependentes fazem a escolha de o serem também porque na sua vida pessoal, mais nada faz sentido, começando pela situação familiar, onde na qual os seus membros não se entendem, maltratam-se e não sabendo dialogar; passando depois para o meio escolar, onde o que mais se cultiva é a competição, e terminando na origem de todo este ciclo vicioso: o governo que, enclausurado no seu mundo pitoresco, varre do seu olhar a população que merece a devida atenção, principalmente os jovens.
E é exatamente disso o que trata este livro, uma jovem que, aos onze anos, começou a drogar-se por incentivo próprio, movida pelos problemas familiares que não deixavam espaço para uma preocupação mais válida, e cuja com, treze anos de idade, prostituía-se para obter as drogas de que julgava precisar. Da primeira vez em que o vi, este livro encontrava-se recostado numa das prateleiras do Continente, a aguardar que alguém que por ele passasse, se interessasse por ele. Com os meus treze/catorze anos, a curiosidade palpitou assim que vislumbrou o seu título, “Os Filhos da Droga”. Pedi ao meu pai que mo comprasse, e a felicidade de o ver no carrinho de compras era imenso.
Na altura, julgava que já entendia sobre muitas coisas, e agora estando a caminho dos dezanove, sei que de nada sei. Comecei a ler o livro ainda nesse dia, tendo a leitura perdurado alguns dias. Com a chegada de novas obras na minha vida, fui deixando este livro para trás, mas sempre com uma vontade imensa de o reler e dar continuidade ao relato de Christiane F.. Com o projeto do #RRSP17, esta foi talvez a altura ideal para mergulhar nesta leitura, não só porque desde então, tenho vindo a aprender muitas mais coisas, mas principalmente porque com treze anos, eu muito provavelmente não reteria as sensações que agora habitam em mim.
Para começar, mas que livro! O facto de ser o relato de uma pessoa real, uma criança que se deixou envolver pelas amarguras da vida já desde muito cedo, abriu-me ainda mais os olhos para aquilo que o próprio mundo mostra: nós, seres humanos, ainda não estamos preparados para lidarmos com certos problemas. A falta de profissionalismo de certas entidades, aliada à despreocupações de muitos outros, foi algo que me chocou ao longo da leitura. Muitas das vezes me questionei de como é que era possível tamanha atrocidade para com um grupo de pessoas que precisavam realmente de ajuda, não obstante a “despreocupação” por parte delas. Considerando o facto deste livro se situar no tempo em que o nazismo ainda flutuava pelo ar, não é de chocar certas atitudes por parte dos jovens, e mesmo dos adultos.
Aquilo pelo qual Christiane F. passou é só mais uma prova de que é necessário preocuparmo-nos, a sério!, com as pessoas em nosso redor. Não basta que queiramos fazer boas ações num só dia, é necessário que nos esforcemos e que tomemos atitudes que façam a diferença. Com onze anos, Christiane viu-se obrigada a adotar um método que a ajudasse a encarar a situação familiar pelo que passava, vivendo sob o mesmo teto que um pai alcoólico, violento e abusivo; e uma mãe que, tendo passado pelo que passou na infância, procedia de forma a que não fosse detestável aos olhos das filhas. O que ela não sabia era que esse seu meio conduziu-as para um fim não muito bonito.
A questão principal que podemos colocar ao fim desta leitura é: enquanto pais, será que vale mesmo a pena tentarmos ser diferentes dos demais, apenas para que os nossos pequenos não se sintam pressionados? Será boa toda a folga que nos dão para fazermos o que bem entendemos, ou será necessária alguma restrição? Enquanto jovens e crianças, não seremos nós já capazes de criar um raciocínio lógico, ou mesmo perder aquele medo de admitirmos que errámos, procurando ajuda? E se essa ajuda nunca chegar, seremos nós fortes o suficientes para persistirmos nela, não obstante o vício a que já tenhamos sucumbido? Valerá mesmo a pena vivermos para nós mesmos, na sociedade que percorremos?
É de uma angústia sufocante caminhar pelas passagens que a própria Christiane diz, as tentativas de largar as drogas, as desintoxicações inúmeras, o regresso ao vício, a repugnância que ela vai colhendo de si mesma, uma mentalidade que nos faz abanar a cabeça, querer entrar no livro e arrastar a rapariga para um mundo onde não haja sofrimento. Tendo primos mais novos, ter tido este livro das mãos foi um aviso para que nunca me despreocupe em relação aos miúdos, mesmo quando uma já é adolescente e tem, curiosamente, a idade que Christiane tinha quando relatou a sua situação; e os outros crianças inocentes.
A idade não define a que etapas a pessoa já possa estar, independentemente daquilo que a sociedade diga. Com onze anos, é suposto brincarmos nas ruas, esfolarmos os joelhos, interessarmo-nos por diversas temáticas e descobrindo quem somos. Contudo, com onze anos, Christiane experimentava pela primeira vez o seu charro, e esta é uma realidade que poderá estar a decorrer neste momento, noutro ponto do mundo. “Os Filhos da Droga” é um livro que aconselho a toda a gente, por conter uma história que nos servirá como um ensinamento. Não descuremos da pessoa que está ao nosso lado na sala de aula ou no escritório, apenas por nos parecer diferente e não necessitar de alguma ajuda. Preocupem-se sempre e com toda a gente!
Já leram este livro? Ficaram curiosos?
Este livro insere-se no projeto do Re-Reading Season Project. Para saberes o que anda a Sofia a reler, podes vir AQUI!
7 Comments
-Valéria
2 de Março, 2017 at 18:26Eu já li e gostei.Beijinhos ?dailyvlife.blogspot.pt
Andreia Capelo
2 de Março, 2017 at 21:10Este livro está, sem dúvida, no meu top de melhores livros que já li, por partilhar uma mensagem tão importante! Li-o há dois anos e ainda hoje me toca. Assim que terminei o livro, fui ver o filme… Se ainda não viste, recomendo-te! É excelente mesmo!BeijinhosAndreia, ALL THE BRIGHT PLACES
Carolayne R.
2 de Março, 2017 at 23:22Eu também gostei bastante! Beijinhos!
Carolayne R.
2 de Março, 2017 at 23:23Omg, existe um filme?? Vou já procurar por ele! Muito obrigada pelo facto!Beijinhos!
Marta Moura
3 de Março, 2017 at 10:35Li este livro há muitos anos e marcou-me imenso.
Cláudia S. Reis
5 de Março, 2017 at 15:21Li este livro quando tinha os meus catorze anos e meio às escondidas dos meus pais, que achavam que ele era demasiado "pesado" para mim. Mas ainda bem que o li, uma vez que me alertou para muitas coisas e evitou passos errados que eu poderia ter vindo a dar. Já o filme é mais "chocante" porque nos mostra de forma bem explícita tudo aquilo pelo que ela passou. Agora tenho curiosidade por ler o segundo livro que ela escreveu, uma continuação da vida dela desde o ponto em que "Os filhos da droga" terminaram.
LIVROS FAVORITOS DE CADA GÉNERO (*) | imperium blog
30 de Julho, 2020 at 17:24[…] e os piores dramas são aqueles que se baseiam em factos reais, tal como acontece em “OS FILHOS DA DROGA“, um relato detalhado da vida de Christiane F., uma mulher que, aos doze anos, conheceu o […]