Hoje, ao celebrarmos em família o facto de eu ter sido colocada na universidade e curso que queria, alguns dos membros do seio familiar me estavam a aconselhar de que agora é que era; que a universidade era puxada e que exigia muito trabalho; que indo para o curso que vou, terei alguns obstáculos, nomeadamente a meteorologia, a quantidade de trabalhos que terei de elaborar, o tempo e o espaço que poderei vir a perder, etc., etc..
Numa dessas sentenças, o marido da minha tia, que afirma ter amigos que tiraram Arquitetura e que se esforçaram bastante, referiu que eu também poderia vir a ter alguns inconvenientes por ser negra. Apesar de ter ficado um pouco desligada da conversa que me estavam a dirigir, automaticamente o meu cérebro acordou e colocou-se a pensar. Eu não digo que não poderei vir a ser vítima no meio universitário e profissional por ser negra, mas será mesmo que isso me poderá vir a prejudicar a sério, ou mesmo afastar-me dos meus objetivos, na medida em que me afugente do meio social?
Sim, eu já fui, sou e hei de continuar a ser vítima de racismo e discriminação enquanto estiver viva. Mesmo que as ações que vistam esse propósito sejam mínimas, são, de facto, coisas que me chateiam. Seja porque no transporte público alguém deixou de se sentar ao pé de mim por ser negra, ou mesmo quando se sentam, e me lançam um olhar de desconfiança… Seja porque me afirmam que certo autocarro já passou, sendo que este vai para uma zona onde a população predominante é negra; ou mesmo quando duvidam que eu seja capaz de possuir muitas das qualidades que supostamente pertencem aos da raça branca. Eu sei que isto e muito mais poderá vir a acontecer não só no dia-a-dia, como também na universidade e, posteriormente, no trabalho.
Muitas vezes, na escola, sei que me apontaram o dedo por julgarem que eu seria como os outros da minha etnia, simplesmente porque o meu corpo, imparcialmente, decidiu produzir uma quantidade razoável de melanina para me me proteger da exposição solar que, nos tempos dos meus antepassados, foi um meio que a natureza decidiu adotar para que aquele povo não se extinguisse, devido às condições atmosféricas. Quem percebe estes fatores, claro que se torna imune a qualquer tipo de discriminação e de cometer esse ato; porém, quem se sujeita a opiniões “populares”, quem é, de facto, ignorante, e quem faz por não entender, continuará sempre a tecer julgamentos acerca de mim, dos outros ou mesmo de vocês.
Muitas vezes, na escola, sei que me apontaram o dedo por julgarem que eu seria como os outros da minha etnia, simplesmente porque o meu corpo, imparcialmente, decidiu produzir uma quantidade razoável de melanina para me me proteger da exposição solar que, nos tempos dos meus antepassados, foi um meio que a natureza decidiu adotar para que aquele povo não se extinguisse, devido às condições atmosféricas. Quem percebe estes fatores, claro que se torna imune a qualquer tipo de discriminação e de cometer esse ato; porém, quem se sujeita a opiniões “populares”, quem é, de facto, ignorante, e quem faz por não entender, continuará sempre a tecer julgamentos acerca de mim, dos outros ou mesmo de vocês.
Por ser uma pessoa que se cultiva, que faz por aprender, que percebe minimamente destas circunstâncias, não me faz muita comichão se alguém pensa que sou gatuna, ou cheiro a catinga, ou mesmo se vivo num bairro social sem condições, adotando a criminalidade como um desporto. Sei bem de onde venho (até onde poderei vir a saber), sei bem quem me criou, sei perfeitamente quais os valores que me passaram e me ensinaram, sei e estou consciente de que tenho tudo para vencer na vida, não obstante os obstáculos que me tornam vítima da própria vida. Sei que, felizmente, não vivo num bairro social de condições precárias; sei que não sou gatuna e que nunca roubei; sei que não cheiro a catinga; e sei perfeitamente que, apesar de ser negra, tenho pessoas que gostam realmente de mim.
Em inúmeras ocasiões, quando criei o blogue, tive sim receio que as pessoas deixassem de me ler por ser negra. É um medo compreensível, tendo em conta que o racismo é algo que levará anos e milénios e universos para cessar; mas a verdade é que à medida que o tempo foi passando, esse receio foi-se amenizando. As visitas aumentam cada vez mais; a cada dia, ou de dias a dias, os seguidores acumulam-se; recebo mil e um elogios por parte de outros bloggers e leitores, e isso só me faz abrir os olhos para uma porção da realidade que se deveria expandir. As pessoas deveriam aprender a deixar de lado essa nojeira que sentem por um outro ser diferente… A sociedade deveria ser mais tolerante no que toca a certos aspetos.Diariamente, vejo negros, ciganos, brasileiros, entre outros, a serem julgados, quando na verdade não fazem absolutamente nada. Claro, não estou a colocar para debaixo do tapete o facto de existir sim criminalidade destas para outras pessoas, mas os brancos também o fazem. Os brancos também são pessoas que podem cheirar a catinga; viverem num bairro social e cometerem crimes. Nem os pretos nem os brancos são um ídolo a seguir. E eu não peço para que o mundo tenha um modelo formulado que cada um de nós deva adotar na sua vida. Eu simplesmente gostaria de chegar aos cinquenta/sessenta anos e sentir-me livre de poder entrar num local, ou saber que poderei vir a ser promovida, sem ter a minha cor a prejudicar-me.
Eu gosto de ser negra. Acho que é uma tonalidade que me cai bem, e não me imaginaria de uma outra forma. Tenho orgulho da minha família e gabo-me de tê-la. Porém, sei que a quilómetros de distância, uma outra negra não pensa assim. Sei que ela sente ódio de si mesma por ter nascido como nasceu, desprezando aqueles que a amaram, educaram e fizeram dela a pessoa que é. É triste, de facto, mas é algo que pode ser transformado aos poucos… A aceitação tem de começar de nós mesmos, para que na globalidade, as coisas funcionem como deveriam de ser. E se, acontecer eu sofrer penalizações na universidade por ser negra, terei como resposta uma superação que nem mesmo o inimigo imaginaria que eu seria capaz de ter.
11 Comments
Inês
11 de Setembro, 2016 at 23:39Carolayne, gosto que sejas uma mulher (mulheraça!) com tanta maturidade e doçura. É com muita tristeza que vejo ainda muitos preconceitos no meio profissional mas é com ainda mais alegria que vejo pessoas como tu e tantas mais a lutar para alterar esse desfecho. E, mesmo não te conhecendo, tenho imenso orgulho em ti. Na evolução dos teus pensamentos e comportamentos, de sentir que estás cada vez mais focada e objectiva nas tuas metas, por te tornares a cada dia mais corajosa, assertiva e confiante na tua pele, em quem tu és.
És um exemplo a seguir e inspiras-me a ser ainda mais lutadora. De verdade. E tenho a certeza de que vais vingar em tudo o que te propuseres, por um simples facto: tens uma gana do caraças. Usa-a. 🙂
TheNotSoGirlyGirl
11 de Setembro, 2016 at 23:58Não vais ter nenhum problema por seres negra! Garanto-te! Especialmente em arquitectura/artes! Normalmente o pessoal que vai para esses ramos são super mente aberta, e defendem a igualdade!
Boa sorte para este novo capítulo da.tua vida 🙂
Beijinho ♥
The-not-so-girlygirl.blogspot.com
Leonor
12 de Setembro, 2016 at 0:27e é tão triste e só te desejo as maiores das sorte para o futuro e que a igualdade reine! Adorava que tivesses aquilo para que trabalhas e que continues a inspirar muitas mais pessoas! Tens razões para te orgulhares de ti, Lyne, e nunca nunca te esqueças disso! Continua a ser incrivel!
Joana Sousa
12 de Setembro, 2016 at 0:45Aff, custa ler isto. E confesso, o que me custa mais não é a noção de que o racismo existe – disso infelizmente eu já sabia – mas o facto de haver quem, mesmo querendo o teu bem, te queira deixar esse "aviso". Felizmente, garra não te falta, e não ficas amedrontada com isso – you go girl! Mas, por exemplo, no meu caso, sei que o argumento "olha que as mulheres não costumam ter sorte aí" me fez mudar de primeira opção (e o que me arrependo disso…enfim).
O que te tenho a dizer é: muitos parabéns and go kick some butts!
Jiji
Ju
12 de Setembro, 2016 at 10:09a maior sorte do mundo para ti! és uma pessoa incrível!
Paula Laranjeira
12 de Setembro, 2016 at 10:28Carolayne, faço minhas as palavras da Inês! Tenho a certeza que não vais deixar que ninguém te tire a garra e que te faça desviar o caminho da meta. Não importa se és mulher, se és negra… O que importa é o que tu és. A garra que tens – e essa eu tenho a certeza que é muita!
Vai, miúda! Arrasa! Porque se fores realmente boa no que fazes, vai haver sempre espaço para ti e ninguém vai querer saber se és negra, se és branca, se és mulher… És Lyne Arquiteta. Ponto.
Beatriz
12 de Setembro, 2016 at 11:51Para mim, é difícil por vezes ver esse lado do racismo. Ok, eu sei que ele existe, mas não lido com ele da mesma forma que tu lidas. No entanto, o mais importante aqui é aquilo que és enquanto pessoa e acredito que sejas uma pessoa fantástica! E todas aquelas que usarem a cor da tua pele para te inferiorizar dão-te uma certeza: não valem nada. Por isso, desejo-te todo o sucesso e sorte do mundo para esta nova etapa e para o teu futuro (:
Joana
12 de Setembro, 2016 at 12:13Infelizmente, as pessoas insistem que há uma diferença entre os negros, os brancos, os amarelos, os vermelhos… essa insistência começa a partir do momento em que chamam as pessoas pelo tom de pele e não as vêem apenas como os humanos que são. Porém, é por haver pessoas como tu que a coisa vai mudar, mais tarde ou mais cedo, e toda a gente vai estar no mesmo patamar. Os rótulos vão sempre existir, só nos cabe a nós usá-los a torto e a direito ou colocá-los de lado.
A força que tens e que te motiva no dia-a-dia é linda. Obrigada pela inspiração que és. A sério. Fazes-me querer ser ainda melhor com estas tuas palavras.
Daniela Costa
12 de Setembro, 2016 at 15:00Somos todos seres humanos, temos todos um lugar aqui neste mundo e deveríamos todos ter as mesmas oportunidades. Preconceito e discriminação, como tu dizes, infelizmente haverá sempre. Mas fico feliz em saber que isso não é algo que te faça ter vergonha da tua cor de pele. Preta, branca ou amarela, devemos gostar de nós próprios, das nossas origens e não ter medo de embarcar para a nossa missão aqui no mundo.
Boa sorte para esta nova fase da tua vida, e continua a inspirar as pessoas como fizeste agora comigo 🙂 Beijinho grande*
Ana Seixas
12 de Setembro, 2016 at 21:36Infelizmente é algo que hoje em dia ainda existe e apesar de eu não passar por isso é algo que me irrita imenso. É ridículo que continua a haver pessoas que julgam as outras pela cor da pele, mas é maravilhoso e uma inspiração pessoas como tu que apesar de todo esse racismo continuam a lutar pelos seus objetivos e a mostrar cada vez mais que a cor da pele não defini a pessoa e que esta pode ser muito mais do que qualquer pessoa imagina.
Muito boa sorte nesta tua nova etapa e em todas as outras que vás ter!
Beijinhos
Guest Post: Eu, ser humano, mulher negra | a Sofia world
3 de Agosto, 2020 at 7:01[…] Quanto ao conteúdo que eu crio, podes ouvir dois dos episódios do meu podcast, o da Negritude e excesso de peso no amor e o Eu, Ser humano, mulher negra, de cabelo crespo. Como não poderia deixar de recordar, um desabafo que fiz em 2016, quando entrei na faculdade, e cujas palavras ainda me fazem indagar: Não pedi para nascer assim, mas também não me imagino de outra forma. […]