Há momentos na vida em que temos de nos impor. Mesmo que tal implique uma mudança radical no nosso dia-a-dia, no nosso psicológico, em tudo. Ontem, pela primeira vez em vinte anos, apercebi-me de que eu jamais havia tratado do meu cabelo natural como agora. Até aos dez, essa função cabia à minha mãe. A partir daí, e como vos contei nesta publicação do 1+3, eu fui vivendo com base na utilização de produtos alisantes, de maneira a encontrar um conforto no visual mais alterado possível, facilitando-me na tarefa de ter de lidar com o meu cabelo africano.
Após estes anos todos, foi de extrema importância eu ter decidido regressar às minhas origens. Pois, mais do que eu ou qualquer outra pessoa possa imaginar, o meu afro hair conta muito da minha história, dos meus antepassados, quem fui, quem sou e quem quero ser.
Deixar os alisantes como parte do passado foi um passo bastante fácil de tomar, porque eu estava demasiado decidida em me livrar daqueles químicos e ver-me reflorescer através dos meus cabelos crespos e naturais. Pode até parecer uma estupidez para alguns, mas adotar esta postura apenas trouxe consequências boas e positivas, tais como me afirmar como negra, sem redundâncias, máscaras ou o que valha.
Não quero com isto dizer que as outras mulheres negras deixam de o ser por modificarem os seus cabelos! O que quero dizer é que EU, para chegar aonde cheguei, finalmente me aceitei. E a melhor maneira de me abraçar foi esta: entrar no modo transição capilar e aprender a cuidar de mim, da minha saúde e da minha beleza.
Não me vale de nada adotar o discurso de que a beleza não importa e que o interior é que conta, porque não é bem assim que as coisas funcionam. A autoaceitação é todo um processo de filtragem entre o nosso físico, a nossa mente e os nossos desejos. E, querermos ser belos fora do padrão social, é o que nos torna únicos. Para a grande maioria, os cabelos crespos podem até ser uma aberração, uma coisa de outro mundo. Mas para mim, que os tenho, acho-os lindos, apesar do trabalho que dão para se manterem saudáveis.
É tudo demasiado relativo… Contudo, o que realmente tem o seu pesar – ou, pelo menos, o que deveria significar algo! – é esta nossa preocupação pelas nossas origens. Pelas batalhas que elas enfrentaram ao longo da vida de maneira a podermos estar aqui… E como é que as poderemos honrar de forma respeitosa e sem ferir suscetibilidades, construindo uma base para o futuro.
Eu comecei pelo cabelo por uma questão de autoestima, princípios, custos e racionalização. A uns quilómetros de mim, uma outra negra pode ter começado a sua jornada de honra através da exibição do seu tom de pele natural. Outra a seguir, pelo seu conhecimento e paladar para a comida da sua terra, etc.. Cada qual é uma história e não nos cabe a nós julgar o que Fulano ou Beltrano faz da sua vida. Há que respeitar, apoiar e, se puder ser, incentivar no amor próprio e na representatividade, pois, no mundo em que vivemos, isso é fulcral para a nossa integridade mental!
1 Comment
Cherry
17 de Outubro, 2018 at 9:53Eu acho o teu cabelo muito lindo e fico muito feliz por finalmente o aceitares :). Gostei de ler toda a importância por detrás do mesmo.
Eu passei por uma batalha semelhante com o meu cabelo. Durante anos, queria que fosse liso a todo o custo e tentei mil e uma coisas, sem sucesso. Demorei a aceitá-lo, mas agora gosto bastante dele e acho que combina com a minha personalidade. Costumo dizer que o meu cabelo não se conforma às regras, é imprevísivel, e eu também xD.
Beijinhos
Blog: Life of Cherry