Uma das coisas que mais me amedronta nesta coisa de ser artista é alcançar um certo ponto de ruptura dos meus processos criativos, encravando de tal modo, que nem mesmo o melhor guru me entregaria ao rumo certo. Já passei por diversas fases da minha vida, fases essas que me foram moldando na pessoa que sou hoje. Como tal, sei-me com tamanha destreza, podendo afirmar que sempre arranjei maneira de dar a volta por cima, de vencer a preguiça e a desmotivação e inventar mundos e fundos para os meus projetos.
Já tenho livros inteiros escritos (não publicados) – embora a qualidade, da época, seja um factor que mereça a devida atenção e rectificação! -, já pintei quadros e os vendi, já cosi, colei e forrei cadernos para prendas de natal, assim como molduras que acomodavam fotografias minhas com os meus… Quando me deparo com receitas nunca antes confeccionadas por mim, faço por dar um twist à coisa e caracterizá-la como obra minha, ou pelo menos, sem deixar passar a minha dedada.
As pessoas com quem lidamos e partilhamos cafés, os conteúdos que consumimos nas horas vagas, as músicas que escutamos para embalar a insónia, os livros que folheamos em bel-prazer e para aprendizagem…
Todos estes aspetos, conjuntamente com tantos outros, resultam da minha desconstrução do processo criativo, entendendo-o como uma extensão individual, carregando, então, todo o conjunto de particularidades que nos movem a viver, noutras áreas onde atuemos, independentemente das etapas que saltemos ou adiemos para depois. A nossa predisposição para a maior parte das nossas atividades define, sem muita das vezes nos apercebermos, qual será o rumo do nosso processo criativo.
Para mim, e por muito tempo, tanto colher como aplicar ideias eram procedimentos muito dolorosos. Até que eu me consolasse a não ter receio de as pesquisar, o caminho a trilhar nunca cessava. O meu medo era o de copiar o que os outros faziam, pois, o meu orgulho, que jamais poderia ser ferido, era o que me comandava e isso me impossibilitava de andar para adiante, de progredir.
Quebrando essa barreira, abri-me para o mar de possibilidades no que se refere a temas, objetos, rotinas, descobrindo-me pelo meio. Aniquilar a complexidade do nosso olhar perante o mundo é meio caminho andado para uma progressão no momento de processarmos a nossa criatividade e retirarmos do nosso trabalho um excelente resultado. Ter medo do que os outros considerarão desse resultado, ter medo de nós mesmos, é um impulso que se deve ficar por aí: um impulso para a frente, nunca para trás.
Jeito temos, mas medo também.
Manejar todo o tipo de cenários por detrás de um futuro que ainda não existe é perigoso para a nossa personalidade artística, um fungo que quando instalado e acomodado, nos afasta do que ansiamos para os nossos projetos, evidenciando o pensamento “Eu não tenho jeito para isto!”… Jeito temos, mas medo também. O que quero passar com esta enorme reflexão é a importância de reconhecermos a individualidade de cada um de nós e como é que almejar seguir os passo-a-passo dos demais poderá ser a morte do artista, no nosso íntimo.
Há métodos, isto em qualquer outro âmbito, que funcionam melhor para uns do que para outros, e o que realmente nos viabiliza a reconhecer isso é, acima de tudo, conhecermos as nossas idiossincrasias. Simples. Quero dizer, falar disto é simples quando já visualizamos o mundo noutro patamar, dado que chegar aqui poderá gerar grandes dores de cabeça. Todavia, é um esforço que acarreta mais pontos positivos do que negativos. Se uma das vossas ambições é alimentar toda a criatividade que vos rodeia, abram-se a isso e experimentem tudo o que tiverem em mãos.
Não aguardem pelo tempo certo, pois, ele não existe… Apenas ajam!
3 Comments
Andreia Morais
6 de Fevereiro, 2019 at 22:29Desconstruir o processo criativo pode mesmo ser assustador, porque nos exige inteiros nessa etapa. Mas acho que o segredo passa por nos conhecermos e por arriscarmos. O pior que pode acontecer é não nos identificarmos com determinado registo, mas isso também ajuda a construir o nosso caminho, porque nos deixa mais perto do que somos e do que pretendemos fazer.
Excelente reflexão!
Carolayne T. R.
8 de Fevereiro, 2019 at 10:23Que comentário certeiro, porque é exatamente como dizes!! Obrigada!
A GENIALIDADE DE "DARK" E DO ENTRETENIMENTO | imperium blog
9 de Julho, 2020 at 19:39[…] é o perfeito exemplo da diferença que a criatividade pode exercer num trabalho, dentro de um conjunto de ideias pré-existe… Julgo ser impossível existir alguém que ainda não tenha visto esta série, mas sabendo que nem […]