Imaginem o seguinte cenário: nas primeiras viagens de barco, as pessoas acabam por desenvolver mecanismos que as ajudam a suportar o mal-estar, colocando em prática dormitar naquele tempo de locomoção, comer uma fruta ou simplesmente aguardar que tal sensação passe com a ajuda de um comprimido para os enjoos. Pelo meu ponto de vista pessoal, já passei por estas e muitas fases, adotando a parte de dormir mais como método para colocar o sono em dia, do que qualquer outra coisa.
Com o tempo, o meu organismo foi-se habituando à gravidade do mar, manifestando-se, por vezes, quando me sento no piso térreo do veículo em questão. Ler este livro assemelhou-se a essas deslocações: acredito que existam Poterheads que pura e simplesmente não agoiraram com a viagem de barco, adotando outros meios de transportes para o seu destino, enquanto que outros, junto de mim, permanecemos na luta de descortinar nos trajetos marítimos uma silhueta de interesses, uma brisa vinda da janela, um escape para suportarmos e, por fim, passarmos a gostar das idas e voltas, neste caso, de “Harry Potter and the Cursed Child”.
Confesso-me realmente daquelas que gostou imenso de ter regressado ao mundo de Hogwarts, embora não tão atordoada com os comprimidos para os enjoos. Reconheço as falhas técnicas de toda esta oitava história, começando pelo ponto em que, se ela tivesse sido trabalhada em termos prosaicos, caracterizando-se pelas descrições mirabolantes que só a J.K. sabe fazer, temperando aqui e ali com aquele sal e aquele açúcar tão deliciosos, este livro teria saído vencedor em todos os aspetos, incluindo a de tornar a sua exploração ainda mais confortável.
Apesar de tudo, se J.K. permitiu que tal história se encontrasse com os raios do dia, é porque de certa maneira se identificou com o produto apresentado, de maneira a que ele se transformasse numa peça de teatro. Talvez por isso, é que aquela sensação de que algo falta nos incomode; enquanto que a peça anda a ser exibida pelas terras reais, quem se apresenta longe só tem a oportunidade de a ler, o que deve contribuir para a falta de riqueza da obra.
Todavia, e não obstante a velocidade a que corremos através das páginas de “Harry Potter and the Cursed Child”, é impossível ficarmos indiferentes à magia de todo este universo, às referências, às motivações das personagens, às relações de amizade, familiares e amorosas – que, muito embora pequem pela carência de desenvolvimento, abandonaram em mim um se quês de necessidade de querer algo mais completo e que explique tudo ao pormenor, desde o ponto de partida ao ponto de chegada -, entre tantas outras características que jogaram a favor desta leitura. O título, assim que terminamos a mesma, converte-se num elemento auto-explicativo e que poderá ser interpretado de diversas maneiras, contudo, isso não basta para compreendamos o porquê de ter sido aquele filho do Harry e não um outro, apesar do seu nome contribuir para o nosso raciocínio.
Em suma, não é um livro mau, não é uma história ruim e, enquanto não a vir no teatro, defenderei de que foi somente mal aproveitada. Foi bastante corajoso por parte da J.K. dar à luz – ou semi-luz, visto que ela não foi a única a desenvolver este trabalho! – a uma obra destas, passados tantos anos e após tantos corações pendentes sobre um mar de ansiedades, quiçá, ciente das críticas que cairiam sobre ela. A despeito das imprecisões narrativas, é um livro que aconselho aos maiores fãs, não para que eles julguem, mas sim para que descontraiam, aproveitem a viagem numa boa e matem as saudades deste mundo maravilhoso e que mudou muitas vidas!
Já leram “Harry Potter and the Cursed Child”? O que têm a dizer?
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