Até que ponto deixámos de ser nós mesmos

São, neste momento, 22h59. Acho importante registar este horário, pois não sei a que horas terminarei este texto. Ultimamente tenho deixado de parte este meu lado inquisidor, filosófico, pensador, em prol de textos mais “técnicos”, focados em temas fixos. Há muito que esta necessidade de me libertar um pouco tem vindo a palpitar, e ainda há pouco, as minhas vozinhas sussurravam para que eu me sentasse, me concentrasse e permitisse que o coração se esvaziasse um pouco. 
Para ser sincera, não me sinto a mesma. Nem aqui, nem em casa, nem em lado nenhum. Antes que concluam que eu me sinto deslocada, parem por aí. Se há sentimento que não vive em mim, esse é o de deslocação. Nunca, em toda a minha vida, eu me havia encarado no espelho como sendo outra pessoa, uma pessoa melhor. Eu já não me reconheço, faz algum tempo que isto se tem vindo a suceder, e por muito assustador que isso soe a algumas pessoas, eu simplesmente nem senti a transição. Penso que aquilo que me está a ajudar a amadurecer enquanto pessoa é a forte conexão que criei comigo mesma, esta certeza de que, independentemente daquilo que ainda está por vir, eu nunca serei a mesma, eu nunca estarei no mesmo sítio, eu nunca permanecerei imutável. As mudanças acontecem, a vida acontece, o tempo passa, as pessoas vêm e as pessoas vão. Daí, a cada circunstância, nós já sermos dotados de ultrapassar os obstáculo de cabeça erguida, punho forte e a capacidade de saber chorar. Não que o tenha feito ultimamente, para ser honesta, já nem me recordo da última vez em que chorei, mesmo que tenha sido há semanas, no entanto, já passou, já foi, entre ali e aqui, vivi muitas coisas que espero nunca deixar de arquivar na mente.
Não sei até que ponto é que eu chegarei com tudo isto, ou se estou realmente inspirada e pronta para me lançar às profundezas do meu ser, mas há coisas que ainda me incomodam, coisas que fui aprendendo a amenizar dentro de mim, de modo a não sofrer tanto quanto sofria. Ainda anteontem, mencionei de que era uma pessoa precoce. Isto no sentido em que, tendo em conta as observações que faço e as conclusões a que chego, sou bem capaz de me distinguir do círculo de pessoas com quem me dou por reconhecer em mim a diferença que me separa dos outros. Não que eles não o saibam ou o façam em relação a eles mesmos, mas lá está, a vida é minha, logo, só eu sei como é que me sinto. E eu também não estou aqui para fazer comparações toscas. Se há coisa que eu detesto são comparações sem nexo, fundamentos e possibilidades de chegarem a algum lugar. Voltando ao ser-se precoce. Não consigo descortinar de onde é que aquilo surgiu, só sei que aqui sentada, enquanto elaboro este desabafo, regressando aos meus quinze anos, sei apontar para coisas que, naquela idade, eu não “deveria” saber fazer, tal como, saber escolher os amigos… O poder da escrita é incrível, pois acabei de me recordar do contexto de tudo aquilo: estávamos a conversar sobre os nossos supostos amigos da vida, e de como e onde é que os adolescentes, ou mesmo os adultos, conseguem selecionar as pessoas da sua vida. O normal é saber fazê-lo a partir dos dezasseis, mas eu com onze anos já sabia fazê-lo. Ou talvez um pouco antes. Daí ter afirmado de que era uma pessoa precoce. Até hoje, há raciocínios que consigo estabelecer, como se a minha idade mental fosse de vinte e muitos. E talvez até o seja.

Essa precocidade tem-me acompanhado por muitos sítios e tem-me auxiliado em muitas situações. Contudo, existem coisas que eu ainda tenho receio de fazer, porventura, nada que me prejudique a um nível extremo. Coisas pequenas que, aos poucos, são resolvidas com a devida calma. Posso tentar mencionar uma situação, aquela que já me incomodou mais, mas que ainda assim, persiste: a de não saber falar quando devo. Não lhe posso chamar receio, afinal, com a idade que tenho, consegui conquistar uma liberdade de expressão incrível; só sei que, ainda hoje, ao debater com pessoas que me são “estranhas”, a voz falha, a respiração altera-se e o corpo estremece. Talvez seja outra coisa qualquer, ansiedade, mas eu também aprendi que eu só sei lidar com as pessoas que quero. As que ficam de fora 1) ou simplesmente as desprezo, porque sou mesmo assim, um tanto ou quanto fria; ou 2) faço por criar ali uma ligação que não nos deixe mal, no entanto, nada de muito profundo. Sou uma pessoa difícil, talvez um pouco mais amolecida com o tempo, mas ainda assim, casca dura. Passou-me agora pela cabeça uma coisa que me disseram há semanas, “A Carolayne ao início tem aquele ar de durona, casca dura, mas depois quando a conheces melhor, e vês o que ela tem por dentro, é como um brownie quente e recheado”, pode não ter sido bem assim, por estas exatas palavras, mas naquele momento identifiquei-me com tal descrição. Agora que penso nisso, foi muito bonito da parte da pessoa, ter reconhecido que eu sou o que sou porque tive de aprender a sê-lo.
E talvez eu esteja quase a chegar ao final desta reflexão de 1h (acreditem, ou não, faltam vinte e cinco minutos, a partir desta frase, para a uma hora completar). Eu sou aquilo que escolho ser por mim mesma. Demorei anos para conseguir deitar esta frase aqui para fora, mas já está feito. Se eu deixei de ser o que costumava ser, e se isso incomoda muito boa gente, lamento que assim o seja. A única pessoa que se pode deixar lamentar sou eu, porque muito durona, chata, sempre de resposta pronta que eu seja, se eu estou de coração leve, cabeça limpa e espírito quieto, é porque tive uma longa caminhada nestes dezanove anos. E para compensar esse facto, tive de alterar muita coisa em mim, principalmente a forma como eu me via a mim mesma. Se eu me considerava uma autêntica merda, fui tentar descobrir o porquê e resolvi o assunto, com calma e vontade de o fazer. Se eu sou diferente, se não gosto de falar, se existem dias em que notam a minha presença e outros em que estranham o meu silêncio, é porque é normal. Eu não sou obrigada a seguir o mesmo rumo do que os outros, eu não vim ao mundo para ser como os outros. Se aqui estou é para fazer a diferença, e não o que todos já fizeram, disseram, deixaram por aí. Se eu me questionava constantemente acerca da minha função na vida, eis que ela se me apresentou, de sorriso aberto, e uma lista enorme daquilo que me falta trilhar. Aconteceu comigo, e eu espero que não se foque apenas em mim.
Hora atual: 23h41

4 thoughts on “Até que ponto deixámos de ser nós mesmos”

  1. Acho muito bonita e sincera a forma como reflectes. Acho, também, que é de louvar que chegues a estas conclusões assim tão profundas de uma forma tão natural e jovial. Das conversas que vamos tendo, fui notando que tu sabes como te deves moldar de forma a encontrares a paz de espírito mais rápido e isso é mesmo bom e é uma qualidade gigante. Não vieste, efectivamente, ao mundo para ser como os outros, mas isso já não és. És a Carolayne, uma menina muito especial, com uma personalidade forte e vincada, mas moldável! Há pouca gente que aceita assim que, por vezes, é preciso mesmo mudar.
    Tiro o chapéu a esta linda pessoa enquanto leio as suas palavras.
    Um beijo, querida Lyne <3

  2. Admito, ao início fiquei intimidada com este post enorme que escreves, mas logo nas primeiras linhas cativaste-me e tive que ler até ao fim. E que texto tão inspirador!
    Ontem, quando referi um post teu na minha rubrica " 5 coisas", disse que tinhas muita maturidade para a tua idade. E se alguém teve dúvidas quando leu isso, certamente que as esclareceu agora com este post. É incrível como tu, com apenas 19 anos, já chegaste a este tipo de conclusões. É mesmo incrível! Tens uma personalidade forte, sabes aquilo que queres, ao mesmo tempo que és humilde e bondosa. Adorava poder conhecer-te pessoalmente, certamente que teríamos conversas muito interessantes :).
    Beijinhos,
    Cherry
    Blog: Life of Cherry

  3. Identifiquei-me muito ao longo do texto. Às vezes temos esse ar de "duronas" por causa das coisas que nos foram acontecendo. É como se fosse uma barreira, para impedir mais choques. Mas a vida é assim mesmo, e o importante é sabermos encontrar um rumo e sermos sempre nós mesmos.
    Hoje mesmo fiz uma publicação no meu blog, que tem mais ou menos a ver com isso.
    Beijinhos Lyne! 🙂

    https://avidaebelaaa.blogspot.pt/

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