Sei que poderia ter esperado um pouco para assentar as ideias, encher o bandulho, como muitos dizem por aí, e só depois escrever isto… Mas quero que fique registado todos os meus pensamentos, neste exato momento, com a adrenalina à flor da pele, para que não perca nada. Há poucos minutos estive, pela primeira vez após muito tempo, frente a frente com a moça que me fez bullying durante anos. Nunca cheguei a falar disto aqui no blogue, apesar de me ter sentido motivada depois desta publicação no blogue da Cherry. Embora muito antes disso, tenha tentado reunir a coragem para trazer um assunto tão delicado à baila, ainda bem que não o fiz. Acredito que cada coisa tem o seu dia para acontecer, e parece que o dia de falarmos sobre isto aqui no blogue chegou.
Durante anos, principalmente depois de ter deixado de ter contacto com esta pessoa, dediquei tempo, espaço, bocados do coração e da alma para me entender comigo mesma. Quem sofre de bullying tende a culpar-se pela idiotice dos outros. Já fui assim. Quando caí na realidade, aquela que me elucidou de que a culpa não era minha, mas sim da bully, um peso enorme arrastou-se-me das costas para o solo. Pensava eu que já tinha ultrapassado o trauma, mas foi apenas muito recentemente, no 9º ano, quando tive orientação escolar com uma psicóloga, que sucumbi na realidade que já citei. Lembro-me de ter chorado uma vez mais perante tais recordações, e ter entrado no 10º ajudou-me, e de que maneira, a valorizar-me mais e melhor. Aos poucos, fui aprendendo o que era a auto-estima, o amor próprio, o perdão não só para com os outros, mas para connosco mesmos. Mesmo que eu não tenha sido a culpada por ter sofrido bullying, eu perdoei-me por ter vivido circundada de tais pensamentos. Desintoxiquei-me como jamais poderia ter feito, por exemplo, no 7º ano, chegando a um ponto da vida onde nada, nem ninguém, me preocupava ao passo de destronar o local onde apenas eu devo pertencer.
No dia em que as candidaturas saíram, confesso ter pesquisado acerca desta pessoa, apenas para saber se ela tinha conseguido o mesmo que eu, e se estava a ser sucesso. O meu lado criança tremeu, amedrontado, com receio de que os nossos encontros se pudessem tornar constantes. Por outro lado, acalmei-o e chamei-o à atenção para o facto de já termos ultrapassado esse problema e que, independentemente daquilo que o destino quisesse, nem eu nem ela (a bully) teríamos de manter um diálogo. E hoje, dia 4 de outubro de 2016, encarei esta pessoa de forma adulta, a levitar numa serenidade que jamais imaginaria possível. Eu tive, e tenho, todos os motivos à face da terra para a odiar, mas no lugar disso, apenas existe um espaço no qual habita a empatia, a paz e o perdão. Vivi dias terríveis dentro de mim mesma, onde a cada segundo de memória, chorava fechada no quarto, imersa numa situação que, aos meus olhos de hoje, não deveria ter sido passada sozinha. Cada vez mais, estou convencida de que deixar-nos embalar pela dor em doses pequenas, é a melhor forma de nos vermos livres dela, encontrando assim aquele conforto que tanto necessitamos. Se reprimi, se sofri calada, se nunca denunciei, hoje estou em paz com esse assunto. O ocorrido fez-me encarar a pessoa como alguém que nunca conheci na vida. Não no estado de negação, mas na medida em que para mim, ela já não me diz nada. Desconfio de que mesmo tendo arrastado os olhos para cima de mim, não me tenha reconhecido, o que a meu ver, é melhor. O mais engraçado, é que a nossa posição no autocarro serviu como uma metáfora: ela, sentada, e eu de pé, a observar-lhe de cima. Não que eu veja isto como o facto de me sentir superior, mas sim porque me superei, quando poderia muito bem ter ficado nervosa, descontrolada, com medo de ser reconhecida.
Foi uma lição que levarei avante na minha vida, diga-se, uma pequena conquista. Sei que este pulsar diferente dos outros jamais se desvanecerá. Sofrer de bullying não é caso para brincadeiras, e quem sofreu do mesmo que eu, sabe perfeitamente disso. Podemos perdoar, estar de paz com a vida, mas há dias e momentos em que as recordações acenam-nos no canto da nossa mente, obrigando-nos a relembrar os dias negros que vivemos. Apesar de tudo, estou feliz por ela ter conseguido prosseguir com os estudos; estou radiante pelo facto de ter enfrentado a situação de forma lúcida, porém, estou ainda mais agradecida por ter vivido esta ocorrência, que me deslindou um vazio que não existe mais.
6 Comments
Joana
4 de Outubro, 2016 at 22:05É por isto que te admiro tanto. Disseste tão bem, tu superaste-te, é literalmente isso.
Também eu encaro com regularidade as pessoas que me fizeram tão infeliz durante imenso tempo e é exactamente o que dizes: sinto uma calma dentro de mim que nunca pensei sentir.
Crescemos, é verdade que estaremos sempre um pouco danificadas e que isto vai sempre trazer-nos algumas memórias, porém, não deixamos de ter crescido. E isso é excelente. Deles não podemos saber nada, se evoluíram ou se são pessoas melhores. Mas de nós mesmo sabemos o que aconteceu com o tempo. E isso é crucial!
Fico mesmo feliz que tenhas visto as coisas deste prisma.
Beijinhos 🙂
Carolayne R.
4 de Outubro, 2016 at 23:40As tuas palavras desarmam-me por completo. Obrigada pelo comentário, pelo apoio, pela compreensão. O que dizes é bem verdade, e subscrevo completamente. Apesar da dor, o nosso crescimento e amadurecimento é o que importa, de facto!
Beijinhos!
Joana
5 de Outubro, 2016 at 10:06Lyne, desarmaram-te pelas razões que te disse: cresceste, sentes e vives. Ainda bem que assim é.
Obrigada eu pelo teu testemunho que nos faz encarar as coisas de outra forma.
Beijinhos!
Ricardo Francisco
5 de Outubro, 2016 at 19:27Bullying é daqueles temas que tento não abordar por me lembrar de períodos terríveis da minha vida. Já tentei escrever sobre o assunto algumas vezes mas sem sucesso. Sofri desta epidemia desde a primária até ao secundário e escusado será dizer que afectou imenso a minha maneira de ser. Embora não pense nisso com regularidade, por vezes é inevitável. Permito-me ter um dia de x em x tempo para deitar tudo cá para fora e move on. Admiro imenso a tua capacidade de ter paz, empatia e perdão no coração. Gostava de ser assim, mas não consigo. Sinceramente duvido que alguma vez vá conseguir, mas nunca se sabe.
Ricardo, The Ghostly Walker.
Cherry
5 de Outubro, 2016 at 21:09Antes de mais, obrigada pela referência :).
Adorei mesmo o teu post, disseste tudo! Fico mesmo feliz por saber que encontraste a paz e o perdão no meio de uma situação destas porque, tendo passado pelo mesmo que tu, sei que não é nada fácil.
Mas tens razão, podemos ultrapassar e encontrar paz mas, tal como eu disse numa publicação minha ( que foi meses depois de ter publicado essa que tu referiste) e tu disseste agora e muito bem, ficamos sempre com sequelas, às vezes aparecem recordações do bullying que nos assombram a mente.
O facto de teres sido capaz de encarar a pessoa com serenidade e maturidade só confirma a pessoa incrível que tu és.
Beijinhos,
Cherry
Blog: Life of Cherry
Vanessa
6 de Outubro, 2016 at 13:24É um tema que eu própria evito falar, não por me sentir mal com ele, mas porque mexe com partes de mim que eu não tenciono lembrar-me. Quem sofre nas mãos dessas bestas, sabe muito bem o que custa lembrar certas coisas, mas acredito e sempre acreditei que Deus escreve direito sobre linhas tortas.
Depois de ler o teu tweet, fui ao café com umas amigas e calhou, simplesmente calhou, em conversa falarmos do assunto. Outra amiga minha sofreu bastante por causa da mesma pessoa, mas superou, eu também e isso foi algo que "comemoramos".
Eu disse-te que a pessoa não ousa falar para mim e sinceramente gostava de apreciar o dia em que ela o fizesse, porque eu não sou a mesma e provavelmente ela levaria um autêntico desprezo na viagem de volta.
Fico muito feliz por tenhas estado em paz ao lado dessa pessoa, mostra que és bem resolvida, que dás o devido desprezo à "coisa" e que há muito amor por ti e pela tua vida. 😀
let's do nothing today