A desconstrução do baú

Ainda existem coisas que eu penso ser incapaz de fazer, até as experimentar. Uma das coisas que mais me amedrontava enquanto criança era ter de me desfazer dos meus brinquedos e ter de passar a conviver com aquele vazio que nunca experimentei, pois atrever-me a deixar de lado certas peças que formavam o puzzle da minha vida era impensável. O tempo foi passando, e com ele fui aprendendo de que, quanto maior a simplicidade com que abordarmos certos aspetos da nossa vida, com mais afinco chegamos a compreender o seu propósito. Existem situações em que quanto mais despidos estivermos de coisas que normalmente nos são essenciais, melhor para a nossa sanidade. 
Há alguns tempos, naquela onda de ir arrumando e me desestruturando de toda aquela cúpula que me cercava de itens desnecessários, deitei muita coisa fora. E por muito receosa que estivesse na altura, soube-me bastante bem reduzir certas peças que me pertenciam, substituindo-as por outras que me faziam mesmo falta, tal como a serenidade de poder lidar com o primordial. Corri em conjunto com alguns dias, fui-me desapegando de certas coisas, entretanto, o dia de hoje aconteceu. Certas coisas que eu tinha medo de me desfazer, foram como que pedregulhos dos quais me livrei. Não só senti uma paz interior, como caí na pura realidade que é estar a entrar numa novíssima fase da minha vida. Por muito fácil que me seja abandonar manuais escolares, trabalhos de aula há muito concebidos, folhas soltas pertencentes a um fragmento do passado, se há coisa da qual não me consigo livrar são dos cadernos. Para mim, os cadernos são objetos muito complexos, muito confidenciais, ao ponto de carregarem palavras, evoluções e ilustrações que, tal como uma fotografia, são capazes de nos transportar para um lugar, sem necessitarmos de sair do lugar. Faço questão de manter os cadernos por perto por uma questão quase intrínseca de me querer conhecer no meio de tantas coisas que me fui esquecendo há medida que fui crescendo.

Para além de ter colocados os cadernos num canto da casa para só depois poder guardá-los em condições, o saco dos brinquedos que por cá ainda permaneciam revelaram-se uma mais valia: por muito estranho que pareça eu os ter conservado por tanto tempo, no aglomerado de itens que já não me diziam nada – e graças à persistência dos meus pais, ao afirmarem que eu poderia encontrar algo de que me valesse a verificação – quase subi às paredes quando a minha mãe estendeu a mão com pequenas esculturas de algumas das personagens de Harry Potter, assim como três das casas de Hogwarts. Só de saber que na altura em que mos ofereceram eu estava nem aí com o assunto, foi como se me tivessem enterrado uma faca pelo coração adentro. Não fosse pela mãe que tenho, e hoje todo o trabalho que tive ao ajudar a organizar a casa talvez não tivesse compensado assim tanto. Ademais destas miniaturas, revi caricas que há muito tinha esquecido, decidida até em recuperá-las para, num dia destes, dar-lhes um uso merecido.

O facto de saber que estou de bem com algo da qual não era grande adepta – leia-se Harry Potter – é quase que uma metáfora para toda a minha vida atual. Ter o medo de ser invadida pela abdicação de certos objetos em nada se compara com a harmonia de querer fazê-lo. Pode parecer absurdo, mas talvez certas pessoas se sintam baralhadas por necessitarem de uma limpeza exterior, algo que as faça sentir completamente à vontade no meio em que se insiram. Hoje foi ter quase lagrimado pela presença da aceitação, da mudança, do ser a cada dia uma pessoa melhor. Amanhã, esperemos que a evolução permaneça e renda sorrisos para a vida inteira. Para depois, é só lutar para conseguir obter os materiais certos para um novo baú.

2 thoughts on “A desconstrução do baú”

  1. Estas viagens ao passado trazem sempre as memórias todas com elas – e acho que é quase impossível pegarmos nos nossos brinquedo e não ter memórias boas 🙂 ando há n tempo para fazer o mesmo que tu, mas tem-me faltado a coragem!

    Jiji

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