BOOK REVIEW \ As Intermitências da morte

Update da leitura aqui
Título original: As Intermitências da morte
Autor: José Saramago
Páginas: 232
Edição: Porto Editora
ISBN: 9-789-720-046-673

Dotado de uma genialidade que jamais abandonará o leque de elogios que tenho a fazer acerca de José Saramago, este é um livro que não falha nas suas convicções. Confesso que consigo compreender o horror de certas pessoas quando pensam sequer em iniciar um livro do autor, e as razões são mais do que muitas. Ou porque Saramago faz um uso exclusivo do ponto e das vírgulas, ou porque as suas orações são dotadas de uma complexidade que poucos conseguem alcançar. Quando comecei a ler o Memorial, todo o meu ser se havia entregue a esse medo de mergulhar numa forma de escrita peculiar, mas aos poucos, esse medo foi arrebatado pela compreensão de cada expressão colocada naquelas páginas.

E tudo começou a fazer sentido a partir do momento em que descobri nas páginas do manual de português as razões pelas quais o autor ter adotado essa forma de manifestação tão característica. Saramago afirmava que todo o processo de criação era propositado… Ele queria que as pessoas trabalhassem os seus cérebros e dessem vida e entoação às personagens, com o uso do ponto e das vírgulas, o que, para mim, acaba por ter algum sentido. Por ter o hábito de escrever ficção, sempre que dou a vida a uma personagem, eu não visualizo os sinais de pontuação, mas sim a forma como ela se comporta no meio em que a insiro. Simples! Dessa forma, acabamos por exercitar o nosso lado criativo enquanto lemos e concebemos todo aquele cenário pertencente a uma história, e As Intermitências da morte é um dos muitos livros que pede pelo nosso lado inovador.

Sem parecer que ando aqui a dar spoilers, a premissa que move toda esta história é a de que, na passagem de um ano que não nos é descrito, todos os habitantes em Portugal deixam de morrer, assim do nada. “No dia seguinte ninguém morreu.”. Quem estava à beira do acontecimento, ali ficou na companhia do sofrimento; e quem ainda teria muito que trilhar, teve de interiorizar o seu recente estado de imortalidade. Pode parecer que todo este guião tem tudo para descambar, mas não é bem assim. Aqui não nos é descrita a forma ideal do funcionamento do ciclo da vida, mas sim a maneira como o país lida com essa situação, nomeadamente o governo, os hospitais, as casas de acolhimento e as casas fúnebres… Basicamente, todo o leque de instituições que beneficiava com o óbito populacional.

Ao princípio é tudo uma azáfama, mas ao poucos e poucos, a forma como nos é narrada os caminhos adotados pelos poderosos e aqueles que queriam beneficiar do desespero das famílias portuguesas é de querer cortar os pulsos, literalmente. Nesta obra temos direito a um panorama que nos apresenta a podridão que muitos de nós conseguem carregar no peito, assim como a questão de sobrevivência num país onde a imortalidade passou a ser idolatrada por todos, exeto pela Igreja, essa que se viu realmente com a corda no pescoço devido ao poder que poderia deixar de exercer sobre a população. O enredo está divido em duas partes: os efeitos colaterais da imortalidade no geral e a situação particular com a morte tem de lidar, tendo em conta um dos meios que ela adotou para dar a conhecer às pessoas o que lhes poderia vir a acontecer após um anunciado pelos media

Este livro em tudo tem para se tornar num ciclo vicioso, a partir do momento em que o terminamos. Toda a montanha que escalamos ao longo da leitura tem-nos reservada uma bandeira da vitória, com todas as explicações de que necessitamos, a modos de compreender a azáfama em que nos metemos. Querendo ou não, a nossa mentalidade amadurece, nem que a mesma represente uma pequena percentagem em relação ao todo. Esta é uma história inteligente, perspicaz, “barulhenta”… Barulhenta no sentido de nos fazer estremecer a cada baque na nossa consciência enquanto seres humanos, observadores das ações dos nossos iguais.

José Saramago conseguiu pegar num tema que muitos evitam abordar, e fez disso um meio da nossa própria reflexão. Nunca pensei que fosse terminar o livro tão depressa, embora quisesse que a leitura fosse um pouco mais rápida, porventura, isso não descredibiliza o facto de me ter colocado de boca aberta e os olhos a brilhar de curiosidade ao longo de cada frase. Agora compreendo quando dizem que este é um dos melhores livros para se começar Saramago. A escrita, apesar de pertencer única e e exclusivamente ao autor, está muito bem elaborada para que se torne simples a interpretação de toda a obra. Saramago era um poeta que escrevia em prosa e que sabia muito bem como cutucar a ferida aberta e que evitamos colocar o olhar em cima.

Se aconselho este livro? Vivamente! Mesmo que se torne complicado irromper nos pensamentos traduzidos de Saramago, garanto-vos que se o lerem com muita paciência e alguma paixão, a vontade de pousarem os livros nem se atreverá a meter-se convosco! (agora sim está uma review de jeito! *risos*)

“Menos a questão da morte, senhor, se não voltarmos a morrer, não temos futuro.” – página 95.

4 thoughts on “BOOK REVIEW \ As Intermitências da morte”

  1. Então vá, meu anjo, quero ver os relatos dessa viagem porque é uma forma de viajarmos também 😀 Eu adoro o Porto. Sinto-me completamente em casa 😀

    Eu gosto dos livros do Saramago por, mesmo com algum tempo, serem sempre tão atuais. Acho que a escrita dele nunca é em vão. Muito pelo contrário: a forma como ele escreve é mesmo para nós consigamos ir mais além da leitura básica e conhecemos a puxar mais pela parte racional!
    Tenho de procurar este o quanto antes!

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    InstagramFacebook Oficial PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me 😀

  2. Pingback: JULHO #RRSP17 "as intermitências da morte", José Saramago | imperium blog

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