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O autocarro errado na hora certa

1 de Março, 2016
Estava um sol de ofuscar qualquer nuvem negra que ousasse aproximar-se. Tenho um teste para a semana que vem, cerca de dez desenhos para fazer e alguns projetos para terminar e colocar em dia. Cheguei a casa, almocei, fiz as lidas que tinha pendentes, ajustei o traseiro na cadeira e comecei por passar uma das matérias que vai sair no teste… Fiz-me acompanhar de vídeos e, de uma forma constante, eu não conseguia desviar os olhos da janela e do tempo fabuloso que me convidava a sair. Tomei a decisão de voltar a vestir-me (já tinha o banho tomado e estava de pijama), apressei-me o mais que pude para que não perdesse o pôr do sol. Basicamente, abandonei o stress escola e apanhei o autocarro certo para o meu destino.
Chegada à avenida, retirei os fones após algum tempo a contemplar a vista e permiti-me escutar o bater do rio contra as rochas. Uma paz inexplicável abraçou-me e tomou conta de mim naquele exato momento. Caminhei em passos lentos e demorados, calcando o chão de pedra, desviando-me das pessoas, observando o sol a beijar o horizonte, enquanto os barcos iam e vinham e os pássaros acompanhavam o seu ritmo. Algo fez com que eu parasse de verdade, respirasse fundo e por instantes a consciência sentiu-se tão leve como a brisa que colidia com os tecidos do meu rosto. Por muito que eu desejasse continuar a estudar o dégradé do espaço, estava na hora de me devolver a casa. Regressei à realidade, viajei pelo meu mundo musical e marchei até à paragem. A vida é uma piada da qual temos de aprender qual o motivo da sua graça. Eu tinha tudo para que o regresso a casa desse certo. Não tinha perdido nada, estava viva, conseguia sentir o aperto na bexiga e os autocarros iam passando. Eu podia jurar que aquele era o meu autocarro, estendi o braço e entrei convencida de que estava no lugar pretendido. Quando dei por mim, a rota era completamente diferente daquela que eu julgava, mas o destino não me era completamente desconhecido. Eu poderia ter tocado no botão e saído na paragem a seguir, mas preferi não entrar em “pânico”, encostei-me e deixei-me levar pelo transporte que me carregava… E foi exatamente neste momento, que eu me apercebi de uma coisa extremamente engraçada. Nós somos, de uma maneira em geral, pessoas muito “detalhistas”. Sentimos sempre aquela necessidade de nos organizar, fazer as coisas de uma forma bastante metódica, de não fugir àquele pensamento… Pelo menos, foi o que eu descobri acerca de mim, naquele autocarro, que me estava a orientar para tudo quanto era sítio, menos para o meu destino… Se fosse num outro dia, o provável seria eu descer três paragens depois e continuar com a minha vidinha, a indagar-me do porquê de não ter prestado mais atenção, mas tal não aconteceu e isso, de uma maneira “absurda”, plantou em mim a sensação de que eu estou mudada e necessitava disso, de uma fuga à rotina para sorrir perante o meu crescimento mental.

De certo modo, o autocarro errado surgiu na hora certa, numa altura em que toda eu era só questões e incertezas, algum receio e alguma esperança pelo meio. Ter “errado” numa coisa que me é familiar e ter reagido como reagi, não só recordou-me do pouco que já sei e do muito que anseio aprender nesta minha vida. Dos livros que quero ler, dos trabalhos aos quais devo depositar todo o meu esforço, das sestas que saber-me-ão a chocolate, do primeiro namorado que há de aparecer, das coisas que quero partilhar convosco e dos momentos que quero colher através dos meus amigos… Mas também iluminou-me para que vá, imediatamente, tratar dos óculos porque não é normal num autocarro de dois algarismos eu só vislumbrar um! Mas tirando tudo isso, até estou feliz por ter saído de casa para visitar o rio. Nunca me soube tão bem enquadrar nas minhas fugas as idas à costa. (Já sabem, da próxima, deixem-se levar pelo momento, seja ele qual for!).






Sê bem-vindo, Março!
  • Reply
    IceQueen
    3 de Março, 2016 at 20:11

    É bem verdade, somos muito "detalhistas". Talvez por isso as fugas à rotina saibam tão bem. Às vezes, precisamos mesmo disso 🙂

  • Reply
    Ana S.
    7 de Março, 2016 at 21:24

    Tens toda a razão. Também sinto isso. Não permitimos flexibilidade na nossa vida, não damos lugar para o inesperado, não somos espontâneos. É por isso que gosto de viajar, é o único momento em que me permito este tipo de coisas. No meu dia-a-dia vivo colada a listas e só penso em cumprir tudo o que nelas se inclui – nada pode correr mal, nada pode ser diferente do previsto. É horrível. Que bom que foi teres dado espaço a alguma espontaneidade. Só temos a ganhar com isso 🙂
    P.S.: Vives na minha margem! Tão giro. O mundo é tão pequenino!

    Aonde (não) estou | blog

    • Reply
      Carolayne R.
      8 de Março, 2016 at 15:18

      Soube-me mesmo bem deixar-me levar! Acho que todos nós deveríamos experienciar algo do género.
      A sério? Mas que giro!

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