sobre o EP55 – apropriação cultural, congresso botânico
Num dia em que não me apetecia sair de casa, forcei-me a comparecer na terapia semanal. Além disto, não tinha nada mais planeado. Quando terminei a sessão, a primeira coisa que fiz foi agarrar no telemóvel e verificar que notificações estavam pendentes, surpreendendo-me com um convite para um jantar surpresa de aniversário de uma amiga de quem gosto imenso.
Ao início, por conta de obstáculos, recusei-o mas depois pensei bem…não poderia deixar passar aquele dia sem, pelo menos, dar-lhe um abraço! Rumei para Lisboa, entusiasmada pela ideia de conhecer um sítio novo, pessoas novas, partilhar aquele momento com a aniversariante. Ainda hei de me debruçar mais quanto ao Chong Qing Hotpot, mas fica aqui outra menção honrosa da nossa experiência em geral.
No final da refeição, o assunto veio à baila. Como, aparentemente, parece vir sempre.
Noutras ocasiões, ter-me-ia sentido incomodada pela necessidade de se pisar no mesmo terreno, só que na quinta dia 5/01 não foi o que senti. Além de me disponibilizar para responder a algumas perguntas que surgem quanto ao tema, senti-me segura quanto aos meus pontos de vista. Afinal, ninguém mos pode retirar uma vez que pertencem à minha experiência individual. Estou consciente de que muitos, numa onda de resistência, jamais aceitarão o que eu ou os demais envolvidos terão para expor.
Contudo, que isso não nos continue a impedir de expandir a consciência coletiva que, de igual modo, se beneficiará com estas informações. O tema foi o da apropriação cultural, as razões de carregarmos o passado nas costas, se levamos certas questões a peito e como lidamos com isso. Não esperava conseguir manter tanto a calma ao articular o que acho, não obstante o volume de histórias e relatos que quero adicionar à minha biblioteca mental, como complemento dos conceitos que não domino tão bem.
Segundo o que sinto, vejo a apropriação cultural como a dissociação de determinadas características de uma cultura, adotadas ou manifestadas em cenários fora do contexto original, sem o devido crédito de criação em rodapé.
Mais profundo ainda, quando nos apropriamos culturalmente de algo estamos não só a desrespeitar a história daquelas pessoas, como a distorcer as suas necessidades, capacidades e identidades coletiva e individual. Muitas vezes, até, criamos interpretações que vão de acordo com os nossos complexos de superioridade, gerando mitos, falácias e crenças que nos convidam a desprezar, desrespeitar, demonizar ou praticar atos de violência, sejam eles verbais, físicos ou psicológicos.
No meio da discussão (refiro-me a este termo como uma atividade saudável), surgiu o conceito de “apreciação” de uma cultura. Tendo em conta a diversidade cultural inerente à nossa experiência humana, é natural que fiquemos fascinados com hábitos fora da nossa realidade. E, como forma de apreciação, adotamo-los, ainda que de modo minucioso na nossa expressão individual. Até aqui tudo bem.
Os conflitos começam, no entanto, a partir do momento em que nos consideramos as pessoas ideais para enaltecer culturas que, por si só, não precisam do nosso destaque.
Só o fazemos numa tentativa de amenizar os problemas sociais, como afirmação da nossa posição, ou até mesmo para não sermos vistos como os vilões. Se gostamos, apreciamos e decidimos adotar certos costumes, não é obrigatório que o afirmemos incessantemente. Por ser normal, pois a cultura, além de gerada em vários contextos coletivos, pode igualmente ser individual.
As mazelas estão atreladas aos resquícios da maldade que prejudicou muitos povos e que, até hoje, sofrem as consequências. Daí ainda haver indignação, menções ao passado, injustiças, vitórias, tomadas de posse nos lugares de fala adequados. Não que não possamos absorver detalhes culturais com os quais nos identifiquemos mais. Desde que nos saibamos situar de modo consciente, numa postura respeitosa e com a devida delicadeza que o assunto demanda, sem nunca esquecer da história verdadeira e original de determinados hábitos e costumes.
Ter falado disto no podcast foi tão importante que decidi estender-me aqui no blogue.
Existem outras razões para o estar a fazer, mas fica o convite para ouvirem o episódio em questão (EP55), lerem o que já escrevi sobre o assunto e continuarem a informar-se. Não só sobre isto como também sobre outros que compõem a nossa sociedade. Mesmo que se pareçam distintos e não nos afetem diretamente, não nos podemos esquecer de que impactam os que nos rodeiam e tudo está interligado. Afinal, é por isso que nos chamamos “sociedade”, vivendo consoante uma cultura generalizada.
outros episódios relevantes: EP10 | EP11 | EP29 | EP46
menções: trabalho da kateryna byednenko | documentário sobre cabelo e tranças africanas
No Comments