Sempre tive este sonho. Não sei de onde é que ele partiu, o que é que o impulsionou, apenas recordo-me de ele sempre ter habitado em mim. Pelo menos, desde que me lembro. Jamais me cansarei de frisar que foi aos dez anos quando tudo começou… Talvez, até tenha começado um pouco antes, no decorrer das composições do ensino básico e pelas quais exercitava a minha imaginação.
Gosto de escrever desde sempre. Como era uma miúda solitária entre os quatro e os nove – fator que permanece, embora menos doloroso -, muito do meu tempo era dispensado na biblioteca da escola. Li imensos livros assim. Quando passei para o segundo ciclo, era muito recorrente pedir livros emprestados a colegas que partilhavam deste gosto, junto das requisições na biblioteca…
Agora que reflito sobre o assunto, é incrível como sempre fiz bom uso das bibliotecas em meu redor!
Foi assim que descortinei o meu apreço pelas fantasias, pelas graphic novels, pelas ideias dos demais fermentando assim as minhas. Como tal, numa época em que eu estava – e continuo a estar – longe de saber quem sou, foi junto das palavras que me fui libertando.
Das ideias, de alguns medos, das aflições, dos “segredos” que preferia manter para não atormentar o bem-estar dos demais… Mal sabendo eu que tal destruiria o meu bem-estar. Se eu soubesse o que sei hoje, teria falado muito mais, teria exposto o modo como me sentia, evitando as experiências traumáticas que me acompanham até hoje.
Pese embora esta coleção de fantasmas, a verdade é que muitos dão-me ideias fantásticas e das quais me aproprio. Conto com imensos documentos por desenvolver, apesar de já saber o que quero deles… No momento em que deambulei a caneta nos meus blocos de nota, maioritariamente ao longo daquelas tardes de verão, jamais havia considerado partilhar estes desabafos com o mundo.
Na minha cabeça era inconcebível dar a conhecer a profundidade com que sinto as coisas…
Todavia, conforme fui desenvolvendo estes sentimentos, dei-me conta do ultraje que seria guardá-los uma vez mais para mim. Perante aquela qualidade toda, aquela dedicação, não fiquei imune aos meus sonhos de criança. Ali, concebi uma oportunidade: a oportunidade de publicar um de muitos livros, de contar a minha e a história de mais alguém, de enfim libertar-me e arquivar este passado tão recente…
Dito e feito. Fui com medo, mas o amor superou. Tal como supera sempre. Sem querer desvalorizar a trabalheira por detrás da organização de um livro com estas palavras bonitas e de algum carácter de superação… A verdade é que o “Diálogos que Nunca Tive” é uma convergência de vários momentos da minha vida, mesmo que eu só me tenha focado em duas.
Aqui, exponho a pessoa na qual me tornei em relação a sentimentos, trabalho com a minha intensidade, debato-me com várias questões existenciais, saltitei de recordação em recordação em busca de um sentido para justificar os porquês… Mesmo parecendo um processo atabalhoado, tem vindo a resultar.
É impressionante como é que um pequeno sucedido desencadeia um conjunto de reações inconscientes a tantas mais, dando lugar a uma duna desordenada.
Não só pela escrita deste livro mas também com o apoio da terapia, as minhas responsabilidades têm-se tornado cada vez mais óbvias e agora sim consigo posicionar-me pelo meu amadurecimento. Sei que termino o “Diálogos que Nunca Tive” paradoxalmente. Tenho uma amiga que o interpretou como uma anulação de tudo o que desenvolvi nestas oitenta e muitas páginas.
A verdade, no entanto, é que o que nunca aconteceu foram os diálogos. As fantasias. As ilusões. Os sonhos que teci ao lado de quem me inspirou a escrever este livro. O resto mantém-se. Os medos, os traumas, as mágoas. Não posso alterar o que aconteceu, o abandono, o ghosting… Contudo, posso perfeitamente deixar passar e olhar para o meu momento de um outro prisma.
Com outra esperança, sobretudo quando o receio do mesmo impera pelo meu corpo, paralisando-me a sonhar, a desejar.
Lidar com sentimentos deste carácter não é fácil. Demanda imenso da minha vontade de querer estar bem, de ultrapassar. Acima de tudo, implica que eu torne a encarar o amor com a ingenuidade da criança que vive em mim… Esta mesmo que me relembra dos nossos sonhos de infância, das nossas personagens, dos nossos cenários coloridos transpostos para telas reais.
Escutei-a por cima das marcas que o meu eu mais velho arrecadou… E sinto que deveria deixá-la vir ao de cima as vezes que quiser, para dar corpo ao melhor que há em mim.
A nós, que jamais deixámos morrer o nosso espírito artista.
Entretanto, conta-me: estavas a par desta novidade? ♥
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