Não seria mais sensato questionar a pessoa se ela quer ter filhos? Eu sei que a questão que intitula esta publicação não me foi dirigida a mim, mas enquanto ouvinte exterior da conversa que se estava a suceder, senti-me extremamente incomodada com o facto de a pergunta ter surgido, principalmente em tais circunstâncias, obrigando-me a debruçar bastante acerca disto porque, apesar de estarmos no ano de 2018, século XXI, e já muitas evoluções em termos sociológicos se terem manifestado, as pessoas continuam a insistir na ideia de que se és mulher, obrigatoriamente terás ou quererás ter filhos, sem se preocuparem sequer em fazerem a questão que realmente importa que é SE a pessoa quer ter filhos. E é assim, eu, muito pessoalmente, tenciono ter e adotar crianças e, mesmo que o processo seja complicado e exiga muito do meu psicológico e do meu dinheiro, é algo que eu quero colocar em prática e, eventualmente, quando surgir a oportunidade, fá-lo-ei.
Mesmo protagonizando o papel da pessoa que quer ter filhos, eu sinto-me desenquadrada quando este tipo de perguntas surge, dado que há momentos em que eu quero esta realidade para mim e há outros em que me interrogo seriamente se eu chegarei a realizar isto, ou como é que será a minha vida daqui a cinco ou dez anos, tornando-se por vezes preocupante… É preocupante porque isto só demonstra que ainda não estamos prontos para aceitar o ponto de vista dos outros, que ainda estamos condicionados a julgar ou a pensar que faz parte do ciclo de alguém arcar com uma responsabilidade com a qual não se identifica. Aliás, de mulher para mulher, eu tenho ideia de que nem mesmo para nós, é fácil de aceitar… Arrisco-me a dizer que é principalmente no nosso meio que se torna mais complicado de colocar na cabeça de que há outras que não querem ter filhos, visto que tal nos foi enraizado em jeito de obrigação.
É visível de que ainda não chegámos àquele ponto de ruptura extremo, em que pensar naturalmente é dizer que não sabemos se queremos, ou não, dar à luz, pois, existem outras prioridades e gostaríamos de ser respeitadas por isso, na esperança de que as más reacções por parte dos demais se apague da nossa genética definitivamente. É ridículo desligarmo-nos dos outros só pela luxuosa tentação de nos considerarmos no direito de apontar o dedo a quem percebe melhor da sua vida do que nós daquela vida a ser discutida. Afirmar não querer ter filhos é tão natural quanto dizer que não se gosta de chocolate ou de cebola, que não se quer ir à festa do dia X, ou que não nos apetece vestir determinadas calças porque preferimos estar mais confortáveis noutras, ou mesmo poder optar por um filme em prol de uma série ou um livro….
Esse poder de escolha deveria ser algo extremamente natural, contudo, o facto de não o ser só prova que temos muito que trabalhar enquanto sociedade e enquanto pessoas. Individualmente, deveríamos ser capazes de trabalhar e aplicar a empatia que habita em nós, tal como deixar de recear bater o pé pelas nossas escolhas e ideologias. Enquanto sociedade, é saber desconstruir toda a redoma que nos envolve e reaprender a construir as nossas leis, as nossas morais, a nossa postura e as nossas exigências… Como sempre, tudo se resume a questões de respeito e educação e há que ter muita inteligência emocional para compreendermos o ponto de vista dos outros, neste caso, das mulheres. Não se trata de se ser ou defender o feminismo, é com pequenas decisões, tais como aceitar, que acabamos por beneficiar a todos porque, se amenizarmos a pressão que fazemos para um dos lados da estrutura social, mais facilmente confraternizamos e alcançamos objetivos em comum.
2 Comments
Cherry
27 de Dezembro, 2018 at 18:46Eu não quero ter filhos. Mas mesmo que tivesse na tua posição, de querer ter, iria incomodar-me na mesma, porque estão a assumir algo que eu nem sequer afirmei. Quando tenho à vontade com a pessoa, corrijo logo o "quando" com o "se eu quiser ter filhos", se não tiver tanto à vontade digo que não quero ter filhos (já cheguei a dizer isto naquelas conversas típicas de amigas da mãe, tentei dizê-lo da forma mais simpática possível, mas ainda assim não me safei de levar com olhares chocados ou julgadores).
Eu não me arrisco a dizer nada, por experiência própria eu afirmo com certezas que é entre mulheres que esta pressão é maior. Infelizmente, é como eu costumo dizer, muitas mulheres não apoiam as outras como deve ser. Se fôssemos todas mais unidas, não teríamos metade dos problemas que temos, e o feminismo não seria tão necessário.
Beijinhos
Blog: Life of Cherry
Carolayne T. R.
28 de Dezembro, 2018 at 22:07É triste este assunto ferir tantas susceptibilidades, tendo em conta que são decisões pessoais que cada um de nós tem o direito de tomar! Infelizmente, há muito trabalho a ser feito nesse aspeto e, com muita sorte, não tornaremos a fazer ouvir as nossas opiniões, sem sofrermos represálias!
Beijinhos, Cherry!