No secundário, tive um professor de Filosofia bastante peculiar. Não bastava aparentar um assumido ar gótico, como também se destacava pela sua inteligência que, a bem dizer, assusta os alunos. Hoje, quase a chegar aos vinte, reconheço que tal se deva à nossa miserável preparação para a vida e a todas as fantasias que nos são incutidas, desde cedo. Voltando ao professor, confesso que apesar de amedrontada pela disciplina – e embora não me tenha sucedido ainda mais por preguiça de raciocínio! -, nunca considerei detestá-lo. Aliás, ele foi e continua a ser uma das melhores pessoas que conheço, com traços de personalidade muito excêntricas e opiniões muito vincadas.
No meu último ano de secundário, ele ofereceu-me um livro na época do meu aniversário. Prometi que o leria o mais cedo que conseguisse, contudo, só fui capaz de cumprir com a palavra muito recentemente. Sei que se o tivesse feito na altura, muito provavelmente não teria entendido a profundidade de toda esta obra. Li as primeiras páginas por duas vezes, em épocas distintas, antes de avançar de vez para todo o seu enredo. “Os Passos em Volta” trata-se de um livro extremamente virado para a introspecção, construindo a sua viagem com base num palavreado rebuscado e através de textos que, primeiramente, denunciam uma não coerência narrativa. Trata-se de uma espécie de diário, o refúgio de uma mente perturbada pelas sombras da madrugada, e que se guia por um fio condutor caracterizado por diversos temas.
Dei por mim embrulhada numa manta antropológica, os seus membros estendidos sobre questões existenciais, perturbações psicológicas, modos de pensar, viagens ao interior, medos e arrependimentos. Estive sempre bastante atenta às pistas que o autor nos dá, com receio de perder alguma palavra importante ou uma frase pertinente. Para além de ensinar Filosofia e Psicologia, deu para entender o porquê de o meu professor ter escolhido este livro: Para eu cogitar de maneira aberta; para eu me devolver alguma serenidade, em troca de grande parte da minha sanidade… Para que eu fosse capaz de reconhecer que uma só leitura deste livro não será o suficiente… Esta é daquelas obras que vamos compreendendo com muitos regressos, muitas dores de cabeça, quem sabe, com mais experiências de vida.
Dei por mim a identificar-me com as insónias do narrador, com a sua instabilidade emocional, com as suas preocupações e alusões para com o mundo. Pese embora as características fantasiosas de alguns contos, no fundo, tratam-se de pensamentos que se agitavam para serem libertados, um possível percurso para muitas respostas… O típico resultado prosaico que se fez utilizar do método poético para poder existir. Trata-se de um livro pequeno, todavia, um tanto difícil. É necessário estarmos de espírito aberto para o receber, pelo que após isso, assemelhar-se-á à água que bebemos e de que necessitamos todos os dias! A mim, soube-me bem e espero que convosco se passe o mesmo!
Conheciam este livro? Como foi a experiência?
4 Comments
Sónia Rodrigues Pinto
6 de Fevereiro, 2018 at 18:09Nunca li Herberto Helder, apesar de ser um poeta que me chama muito a atenção e que foi sempre muito recomendado quando tirei a minha licenciatura em Literatura. Mas concordo que é uma leitura difícil, pois já tive a oportunidade de assistir a uma palestra de um estudante cuja tese de doutoramento foi sobre a obra de Herberto, li uns poemas por alto e sei que é o tipo de leitura que merece toda a nossa concentração. Deixa-me só dizer-te, Lyne, que essa descrição que fizeste da obra e a forma como te relacionaste com ela, foi tudo escrito de forma lindíssima. Muito mais do que uma review, quase que parece um texto poético por si só! Adorei, mesmo ?
Joaninha
6 de Fevereiro, 2018 at 21:22Uau! O teu professor conhece-te mesmo bem. Filosofia sempre foi das minhas disciplinas favoritas… não sei se, neste momento, a minha alma está recpetiva a tal leitura. Mas, soou-me bastante interessante.
IMPERIUM
25 de Fevereiro, 2018 at 19:02Após este livro, aconselho mesmo uma exploração às obras do autor! Acredito que possam existir umas mais complicadas do que outras, mas acaba por ser sempre assim! ? Muito obrigada, Soninha! ♥
IMPERIUM
25 de Fevereiro, 2018 at 19:03Depois de ter terminado o secundário, ela passou a ser-me muito querida, ahahah. Vai-se lá entender! E sim, convém estares mesmo virada para esta leitura, porque, de contrário, jamais funcionaria!