Não sei se conhecem a expressão “ressaca literária”, mas tenho a dizer que estava a sofrer de uma. Apenas a reconheci como algo real assim que terminei o livro que aqui vos trago hoje. Já por diversas vezes me tinha cruzado com ele, enquanto jazia nas prateleiras na casa da minha avó. Confesso que o folheei, inclinei a cabeça em sinal de interesse, contudo, essas manifestações de nada serviram para que mergulhasse por vontade própria na sua história. Há sensivelmente uma semana, de cocaras em frente à prateleira já mencionada, a lombada de “A Mulher Com Sete Nomes” ocupou grande parte da minha visão e curiosidade, obrigando-me a pescá-lo do seu habitat, trazendo-o para casa. Recordo-me de o ter começado na segunda-feira passada, mas jamais imaginei que o terminaria tão cedo.
“A Mulher Com Sete Nomes” é um relato bem concebido e que nos elucida para a história de Hyeonseo Lee, não nascida com este nome, e que é oriunda da Coreia do Norte. Só por estas informações, conseguem concluir o quão pesada e chocante se pode tornar esta narrativa, tendo em conta que a autora teve a minúcia de apontar todos os dados de forma temporal e linear, sem deixar que pequenos detalhes ficassem de parte, conferindo à sua dimensão um alerta para aqueles que, até agora, não se tinham debruçado neste tema, da tirania que se vive neste país e que está bem longe da nossa realidade.
É engraçada a coexistência de tantas delas num só planeta, onde no mesmo reinam os direitos humanos, a liberdade de expressão e tantas outras conquistas que a humanidade teve a coragem de lutar por. Na Coreia do Norte também existem pessoas, as estações do ano, o conceito de família, trabalho, criminalidade e poder… O que parece não existir, pelo menos no meio social, é a ideia de que todos são fruto de um comando que se rege segundo o medo que utilizam contra eles e que no mesmo passo em que a população passa fome, o seu governante se empanturra do melhor no conforto da sua casa, encenando em frente dos media uma situação equivalente à dos seus inferiores, apenas para passar uma boa imagem de si próprio. Os norte-coreanos nem imaginam a quantidade de atrocidades que são mascaradas de ações normais, no que tocam aos julgamentos públicos, à designação exagerada dos estatutos sociais, dos subornos para que não sejam mortos ou perseguidos, da idolatria à imagem de um reles ser humano, entre tantas outras ideologias que lhes são incutidas desde muito cedo, e de como é que isso os prejudica enquanto nação.
Hyeonseo Lee fugiu da sua terra sem se dar conta dessa ação e, quando se apercebeu, já era demasiado tarde para regressar. Ainda adolescente, viu-se obrigada a batalhar por uma identidade que não a denunciasse, procurando emprego num outro país, sozinha e desamparada, enfrentando todo e qualquer tipo de perigo exterior. Ela foi-se tornando mulher segundo as suas novas responsabilidades, livre à medida que ia desconstruído a educação recebida no seu país, fria para se conseguir proteger da quaisquer denúncias e corajosa por nunca ter prescindido do seu direito enquanto ser humano. “A Mulher Com Sete Nomes” é um livro que nos faz cogitar acerca das coisas que tomamos por garantidas na vida e das mensagens que nos passam no dia-a-dia e que por vezes não questionamos, considerando tudo muito certo. Fiquei deveras paralisada com algumas passagens, afinal, entre mim e a autora existem milhares de diferenças, tanto em termos de cultura, educação e idades, mas principalmente por uma característica: eu nasci num país livre que jamais me obrigou a adorá-lo, ao passo que se ela ousasse sequer pensar mal do seu Líder, seria espancada e morta por divergir nos pensamentos.
Nunca pensei que fosse gostar tanto de me lançar a uma auto-biografia desta maneira. Antigamente, desviava o olhar de qualquer possibilidade, no entanto, à medida em que se cresce e amadurece, os nossos interesses e preocupações crescem connosco e isso é bastante importante! “A Mulher Com Sete Nomes” é uma leitura que se faz muito rapidamente e, a julgar pela diferença que fez no meu interior, acredito que seja uma peça de destaque e que mereça ser lida por tantas outras pessoas! Fica a dica!
Já leram este ou um outro livro relacionado com a Coreia do Norte? Quais aconselham?
3 Comments
Daniela Costa
13 de Outubro, 2017 at 14:05Nunca li nenhum livro sobre a Coreia do Norte e despertaste-me curiosidade acerca deste. Eu cada vez mais fico mais chocada com as atrocidades que vou lendo em alguns artigos de opinião sobre a Coreia do Norte. E isso assusta-me. Excelente review que fizeste! Obrigada por partilhares 🙂
Veronica
3 de Novembro, 2020 at 2:34Onde você comprou esse livro?
Carolayne
15 de Novembro, 2020 at 16:37Não comprei 🙂 Foi a minha avó que mo emprestou!