saberemos cada vez menos o que é um ser humano
José Saramago
Quando calha, por vezes, apanho-me a cogitar no quão assustador são as semelhanças entre uma distopia e a nossa realidade. Não costumo dedicar-me a este tipo de pensamentos, pois, ou os mesmos me levariam a contrair uma espécie de depressão, daquelas semelhantes a de quando nos apercebemos de que vamos morrer, ou a ideias que prefiro nem pensar sobre.
Conquanto, torna-se impossível não o fazer, ultimamente. Tudo ganhou um outro significado, no momento em que achei por bem acompanhar a série “Westworld”. Para quem não sabe – e acho muito mal, deixem-me que vos diga! (brincadeira, estou só a brincar) -, “Westworld” é uma série remake de um filme homónimo, cuja trama decorre num parque de diversões, no qual andróides e humanos têm de confraternizar.
Na verdade, os humanos utilizam a desculpa de “os andróides não sentirem nada e poderem ser reprogramados” para colocarem em prática os seus desejos mais atrozes… Surpreendentemente, conforme os episódios, a realidade converte-se e, aquilo que são os acontecimentos mais previsíveis, transformam-se num conjunto de surpresas, reflexões filosóficas, socos no estômago, enfim, um ringue de boxe de emoções.
“existem limites morais?”, coloquei-me a pensar...
Durante as três temporadas, houve um livro em particular que se me palpitava no inconsciente e que acabou por ser a leitura do final de Abril – coincidentemente, adequando-se ao tema de maio para o The Bibliophile Club -. “Será que os Androides Sonham com Ovelhas Elétricas” (*), de Philip K. Dick, foi a minha companhia nos últimos dias.
(*) WOOK FÍSICO | BERTRAND FÍSICO
o início do fim: conversão de espécies
Ontem, na conversa com a Sofia e o Jota, partilhei que o conteúdo do livro poderia ter sido um pouco mais aprofundado, porém, o seu sumo atual foi o suficiente me obrigar a sentar, com o copo na mão. É inegável e, um tanto improvável, não sentirmos receio do que aí vem, no que toca ao assunto da inteligência artificial. Se, por um lado, integra aquilo a que damos o nome de “Evolução de Espécies”, por outro, representa um drástico paradoxo na nossa sociedade, visto que, de um modo intenso, terá de se readaptar ao novo paradigma.
Digo-o, baseando-me no modo como as coisas andam, um tanto a testar a nossa capacidade de resistência e resiliência. Honestamente, duvido muito que a adaptação seja gradual e ajuizada. Uma vez que vamos coabitando com essa mesma inteligência, embora, a sua forma se resuma aos telemóveis que estão constantemente colados nas nossas mãos, aos computadores, às televisões; descomunal será passar a distinguir os andróides/humanóides dos seres humanos orgânicos. Fisicamente, pelo menos…
o que é isso de ser humano?
O nosso intelecto, a nossa capacidade de questionar, o filósofo que há em nós, certamente entrará num curto circuito, porque, aí, revelar-se-á uma outra questão: afinal, o que é que nos define enquanto seres humanos, se os andróides estão a ser programados para serem inteligentes, agirem, pensarem e sentirem como nós? Se, há milhares de anos, os filósofos se têm afogado nestas questão, que será de nós quando, sem essa resposta, surgirem tantas outras com outros graus de urgência? Na série, fala-se de consciência e livre-arbítrio…
No livro, K. Dick utiliza a empatia como meio diferenciador… Mas será que chega? Esses pontos, numa infinita lista, serão o suficiente para separar as águas e colorir quem é quem? Não sou filósofa de formação, nem tão pouco cruzei a meta do trilho, no que toca a esta ciência… Todavia, enquanto pessoa, sei que se revelaria bastante complicado divisar andróides e humanos, sobretudo, se ambos usufruíssem das mesmas características básicas!
Tratar-se-á, portanto, da tal famosa premissa: o que é que nos distingue, seres humanos, do restante reino animal? Há quem se incline para o factor racional…. Ora, à sua maneira e semelhança, os demais animais também o serão, com a particularidade de se deixarem conduzir pela sensibilidade que, muitos de nós perderam, nas atividades do quotidiano: sentir a natureza tal como ela é, em virtude dos instintos.
excesso de controlo ou um método de compreensão?
Em “Westworld”, os andróides são programados de tal forma, que a sua inteligência racional e emocional ultrapassa a dos seus criadores. Se, do ponto de vista analógico, tal se mostrar concebível, que será da raça humana que se pavoneia por aí, achando-se dona de algo por direito, crente de que isso a impedirá de morrer, eventualmente? – Eis outra questão em aberto e que, sem sombra de dúvidas, fundir-se-á com a imortalidade inerente a um corpo robótico, somente dependente de manutenções, de tempos em tempos -.
Ao ponto de nos obrigar a reestruturar os nossos pensamentos e ideais, tudo aquilo em que acreditamos, consequentemente, levará um abanão. Talvez, a partir da geração dos nossos netos, o irreconhecível será dizer que, outrora, éramos feitos de carne e osso e, o máximo que nos era acrescentado, eram próteses e silicone. Obviamente, existem faces opostas na moeda; sei perfeitamente que o meu lado dramático tomou posse da maior parte deste discurso, contudo, reconheço as vantagens.
Por exemplo, poderemos estender a nossa qualidade de vida; seremos hábeis de combater imensas doenças; provavelmente, compreenderemos ainda melhor, através do processo de criação, o que somos nós e para que é que servimos… Enfim, torna-se complicado querer resumir uma questão que nos persegue há anos e duvido muito que fosse eu a carregar as respostas, numa única reflexão… A responsabilidade, meus caros!
(em suma e para evitar desgastes mentais)
Qualquer que seja a manifestação artística, isto é, livros, séries, ou pinturas, ela é essencial para nos colocar a cogitar acerca do que nos rodeia. Este par apresentado, e que terão, futuramente, publicações dedicadas, trouxe-me ao de cima o sabor de me conseguir expressar através dos meus questionamentos, moldando ainda mais a minha curiosidade para devorar os conhecimentos do mundo e, quiçá, surgir com soluções.
Há muito mais do que nos é visível, resta saber se, até isso, nos salvará de alguma coisa.
4 Comments
Sofia Costa Lima
1 de Maio, 2020 at 19:49Já leste o “Sapiens”, do Yuval Noah Harari? Ao ler a tua publicação lembrei-me de algumas coisas de que ele fala no último capítulo
Carolayne
1 de Maio, 2020 at 20:16Ainda não!!!! Só tenho o 21LFT21StC!! Mas fico mesmo satisfeita por uma reflexão minha te fazer lembrar uma mente gigante como a dele! ???
PODEMOS FALAR DE WESTWORLD? | imperium blog
6 de Maio, 2020 at 15:38[…] se importa de fritar o cérebro com uma panóplia impossível e um tanto imprevisível de twists. Aludindo a esta publicação que escrevi sobre andróides, e na qual expliquei o conceito base de “Westworld”, este não passa de um parque de […]
"SERÁ QUE OS ANDRÓIDES SONHAM COM OVELHAS ELÉTRICAS?", PHILIP K. DICK (*) | imperium blog
23 de Maio, 2020 at 15:36[…] bocado da minha experiência de leitura. Pelo blogue, de igual modo, teci uma reflexão acerca de andróides, seres humanos e evolução de espécies, aludindo, também, à série Westworld. Todas as condições mostravam-se propícias, eu é que […]