Uma das coisas que mais aprecio nos meus terapeutas é a sua bagagem cultural. Acima disso, acho fascinante vê-los a analisar os diversos conteúdos que aconselham, provando que a ficção/adaptação não foge assim tanto da realidade. Há situações que, por se situarem longe da minha realidade, são-me um tanto inconcebíveis.
Para mim, é como se acontecessem somente em filmes ou séries, talvez como meio de me distanciar ainda mais.
Burlas. Já fui vítima de algumas no âmbito emocional. Por muito forte que a palavra seja para descrever um conjunto de desilusões, a verdade é que a realidade pode resumir-se a ações do mesmo calibre, só que em escalas diversas.
O principal trabalho de um sociopata é o de absorver as emoções das vítimas para retirar vantagem. Ele move-se pelos diversos meios, estudando-os no tempo necessário até converter o discernimento das vítimas num álibi perfeito. Por cada um, portanto, parece existir um conjunto deles que reforçam certos espasmos de insanidade.
Como primeiro impacto, senti esta série como uma afronta.
Com o passar dos episódios, a afronta transformou-se em choque e questionamento, pois não poderia ser possível que um argumento deste tipo ganhasse tanto terreno na imaginação dos demais. Anna Delvey construiu a personagem perfeita: uma herdeira multi bilionária com o sonho de criar uma empresa como superação pessoal perante as dúvidas do pai.
Vendo bem ao longe, creio que todos os envolvidos sofreram as devidas consequências, tendo em conta que se movimentaram com interesses materiais em vista. Claro que não é de todo aceitável que alguém se aproveite dos recursos alheios. Contudo, que objetivos teriam também as vítimas ao quererem lidar com uma herdeira de uma fortuna imensa? Será que se teriam aproximado da Anna se soubessem da sua verdadeira história?
É muito engraçado refletir no poder que o dinheiro tem nas nossas decisões, sobretudo relacionais.
Estamos tão absorvidos por conceitos tão rasos de sucesso e bem-estar, que quando familiarizados com uma vida que só o luxo nos pode oferecer, é como se nos estivéssemos a cegar em detrimento dos valores que realmente importam. Mais doentio é pensar na quantidade de pessoas que distorcem as suas histórias de vida para se conseguirem encaixar. No final do dia, encaixar com o quê? Com quem? Não serão estes pequenos alertas para a nossa perda do self?
Rico em episódios longos, complexos e intrigantes, “Inventing Anna” foi inspirado num caso real e cujo desfecho foi o mais justo possível, não obstante as reviravoltas e vantagens retiradas pela persona em questão. Não só me coloquei em perspetiva como reforcei a crença de que a humanidade nunca deixa de surpreender.
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